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Delito de Opinião

O comentário da semana

Pedro Correia, 30.06.19

«A primeira casa que eu tive verdadeiramente minha, por singular sorte nunca foi.
Tinha 33 anos quando a comecei, num terreno de mil metros oferecido pelos meus pais ao casal, eu filho e ela nora; repleto de mangueiras, abacateiros, mamoeiros e um cajueiro. 
Até aí os meus pais não se serviam dele, tirando o proveito dos frutos, claro.
Depois lembrou-se que aquilo dava muito jeito para ter a nora e as netas em Luanda quando viu preparativos de abalada da nora e netas queridas para outras paragens - o filho também ia mas por esse não lhe doía a cabeça - e convenceu-me a construir ali a minha casa.
Mostrei-me reticente, a minha mulher advogou em meu favor que tínhamos melhor futuro em Benguela, então para me incentivar colocou lá pessoal das obras dele - era construtor civil - e como quem dá o pão dá também a manteiga, os materiais também vieram das obras dele.
Comecei portanto a construção dessa casa em Setembro de 1973 e em Março de 74 estava concluída.
A minha mulher adorava a casa, os meus pais adoravam que ela adorasse, eu adorava que ela risse de modo que não andava descontente.
Uma semana antes de mudarmos para lá apareceu-me o "povo" angolano e travámos uma esclarecedora discussão. Curta mas conclusiva. Tipo.
- Então? De que se trata?
- Ó colonialista. Fizeste uma casa bonita. Agora sai daqui que a casa é do povo.
E foi assim.
Fora do assunto casa e só a título de curiosidade, que obviamente a ninguém interessará, e só porque uma vez que se conhece o canteiro conheça-se então a lavra toda; uma semana depois passei pelo banco a ver se conseguia sacar o meu dinheiro, e fui recebido com pompa e circunstância por um exército ferozmente armado, onde por singular afinidade o diálogo sobre dinheiro pouco ou nada diferiu sobre o outro da casa.
- Ó colonialista! O dinheiro é do povo.
Mas vinguei-me! Quando o pessoal da minha casa se apresentou no fim do mês para receber, eu esclareci-o a preceito.
- Ó gente. Não tenho dinheiro, pá!
- Não tens?!
- Não! Vocês são povo, não são? Então ide ao banco que o vosso dinheiro está lá.»

 

Do nosso comentador Corvo. A propósito deste texto da Teresa Ribeiro.

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