O cerco
Paulo Macedo, ministro da Saúde do XIX Governo Constitucional, aceita o convite de António Costa para liderar a Caixa Geral de Depósitos.
Jorge Moreira da Silva, primeiro vice-presidente do PSD e alegado delfim de Passos Coelho, trocou Lisboa por Paris, assumindo um posto de director-geral nesta organização internacional.
Marco António Costa, talvez a figura mais influente do partido laranja no norte do País, deixou de ser porta-voz dos sociais-democratas.
Carlos Moedas, ex-braço direito de Passos Coelho para os assuntos económicos, é hoje comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação.
Luís Menezes, que chegou a ser um dos elementos mais próximos do líder e figura em grande destaque no grupo parlamentar, abandonou a Assembleia da República.
Miguel Frasquilho, outro ex-dirigente da bancada parlamentar laranja, elogia António Costa em entrevista: "Esta solução de Governo já não afasta os investidores."
Pedro Lomba, ex-secretário de Estado, acaba de renunciar à coordenação do Gabinete de Estudos do PSD, para que tinha sido indicado por Passos há oito meses.
São sinais dispersos. Mas que, todos somados, permitem tornar ainda mais evidente a solidão política actual de Pedro Passos Coelho.
Entrincheirado no seu bunker da Lapa, única sede partidária sem acesso directo à rua, o presidente do PSD vive hoje numa situação de cerco. Condicionado, por um lado, pelos insistentes apelos à aparição do novo messias laranja e, por outro, pelas sondagens cada vez mais favoráveis a António Costa, Passos só poderá romper este cerco se mudar muito do que fez até aqui.
Precisa de renovar o núcleo de porta-vozes do seu partido, trocar o financês pelo social no seu discurso e mostrar-se não nos corredores palacianos mas no País real. Sobretudo junto de segmentos da população que nunca votaram nele: nada é tão supérfluo na política como pregar aos convertidos.
Entretanto, não deve cair nas armadilhas mais óbvias.
Primeira: continuar a fazer da Caixa um alvo preferencial - a partir de agora, em vez de disparar contra o Governo, dispara fatalmente contra Macedo, seu ex-ministro.
Segunda: hostilizar o CDS a propósito das autárquicas, terreno que Assunção Cristas elegeu para consolidar a sua ainda incipiente liderança. PSD e CDS estão condenados por muitos e bons anos a ser parceiros eleitorais: todas as parcerias exigem cedências mútuas. Em 1593, o Rei francês Henrique IV reconverteu-se ao catolicismo, abjurando do protestantismo: "Paris vale bem uma missa", declarou na altura. Salvaguardadas as distâncias e as proporções, Lisboa bem pode valer um acordo eleitoral.
Terceira, e talvez a mais relevante: manter uma relação crispada com o Presidente da República. Marcelo é oriundo do PSD, foi eleito pela esmagadora maioria dos militantes do partido e mantém elevadíssimas quotas de popularidade. Qualquer conflito com Belém constitui um inútil desperdício de energias e está antecipadamente condenado ao fracasso - desde logo por ser incompreensível aos olhos do cidadão comum.
António Costa, intuitivo como poucos, percebeu isso desde o primeiro instante. Parecer-me-ia incompreensível que Passos Coelho não se apercebesse disto também.