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Delito de Opinião

O brasileiro tinha razão

Paulo Sousa, 10.09.19

Num canto esquecido do balcão da loja de ferragens e debaixo do pó acumulado de vários anos, estava um porta-canetas em acrílico. Entre uma miríade de outros objectos, o porta-canetas passava quase despercebido.
Enquanto esperava para ser atendido, um brasileiro desatou à gargalhada. Estava quase agachado a olhar com atenção para o porta-canetas. Os restantes clientes interromperam as suas conversas perante as gargalhadas do brasileiro. Entreolharam-se com gravidade. Alguns ficaram arreliados por não entenderem o motivo de tal espalhafato.
- Isto é reclame de bordel!! - disse o brasileiro.
- Isto é o quê? - perguntou o dono da loja tentando sem sucesso disfarçar a irritação.
Importa lembrar que naquela rua viviam caboverdianos há várias décadas, já por lá tinham passado croatas, que desapareceram após a sua guerra, e depois disso vieram ucranianos, russos, moldavos, brasileiros e até um italiano. Nunca tinha havido qualquer problema. Todos tinham vindo para trabalhar e nunca se tinha registado a menor fricção, antes pelo contrário, os locais até achavam piada a tal variedade.
Tinha havido apenas um episódio de alguma tensão. No ano passado uma caboverdiana tinha dado um valente pontapé num gato de uma brasileira por este ir repetidamente fazer as necessidades no vaso das hortelãs que cultivava para fazer chá. Antes da dimensão legal das recentes leis de defesa da bicharada, o pontapé seria apenas o normal quotidiano e nem teria merecido destaque neste texto.
- Ah! Ah! Ah! Isto é reclame de bordel!! repetiu o brasileiro.
A sabedoria popular diz que não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe, e a ausência de conflitos com estrangeiros esteve por um fio durante aqueles longos instantes.
No meio de um furador ferrugento, uma grossa e escura tesoura com mais de uma geração e uma velha caixa de charutos usada para guardar cartões de visita, lá estava o empoeirado porta-canetas. Já ninguém se lembrava como lá tinha ido parar. O mais provável era ter sido oferecido por um fornecedor. Servia para lá esquecer umas canetas já sem tinta e uns lápis sem bico. Estava para ali.
- Ah! Ah! Ah! Isto é reclame de bordel!!
Só após o choque inicial é que finalmente mais alguém olhou com atenção para esse objecto de estacionário. O logotipo era de um banco que já tinha tido um balcão na terra e que fechara quando este tinha ido estrondosamente à falência. O slogan, que deveria estar virado para o lado de dentro do balcão, estava agora virado para fora.
- Juntos fazemos crescer o seu negócio!! - leu finalmente em voz alta o brasileiro - Isto é reclame de bordel!!
Quando, um a um, todos os restantes clientes leram a mensagem de marketing do porta-canetas, largaram-se a rir em uníssono e um deles disse:
- Eu devia ter percebido isso quando me venderam aqueles fundos estruturados e as obrigações de renda perpétua!!! Isto é mesmo reclame de bordel!!
E ainda não foi desta que houve transtornos com os estrangeiros naquela rua.

 

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3 comentários

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    Paulo Sousa 10.09.2019

    Houve quem vendesse obrigações de renda perpétua como de Depósitos a Prazo se tratasse. Não consigo desenvolver mais detalhes porque sobre bordéis é tudo o que sei.
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    Luís Lavoura 10.09.2019

    Houve quem vendesse obrigações de renda perpétua como de Depósitos a Prazo se tratasse.

    Não duvido que tenha havido.

    Mas isso não é razão para dizer mal das obrigações de renda perpétua propriamente ditas. Elas são um instrumento de financiamento das empresas (ou dos Estados) perfeitamente honesto e legítimo, que deve poder ser comercializado a quem quer que deseje investir nelas.
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