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A rebelião de bárbaros que alastra nos países ocidentais contra as elites políticas não devia surpreender tanto, o que verdadeiramente espanta é que esse mal-estar não seja maior. A crise de 2008 atingiu a vida de milhões de pessoas e foi provocada por erros que ainda não encontraram os seus culpados. Os super-ricos enriqueceram, fugiram aos impostos e estacionaram sem problemas o seu dinheiro em paraísos fiscais. A classe média pagou com língua de palmo: salários mais baixos em termos relativos, aumentos de impostos, serviços públicos degradados. As classes inferiores das sociedades industrializadas consideram-se as mais atingidas, pois enfrentam uma ameaça de extinção semelhante à do fim do Jurássico. Os seus postos de trabalho estão a desaparecer e acreditam que a nova classe de imigrantes deprime ainda mais os salários*.
Como se explica que vários países europeus se tenham endividado em silêncio, durante anos, não cumprindo de forma flagrante as regras da zona monetária a que pertenciam? Sabemos agora como foi o caso português: gastámos fortunas em auto-estradas de que não precisávamos, foram criados interesses especiais que beneficiavam de rendas milionárias quase eternas, os bancos arruinaram-se em negócios de regime e as empresas campeãs nacionais foram estoiradas em aventuras megalómanas. Tudo isto nos foi cuidadosamente escondido em sucessivas eleições onde votámos ingenuamente nos partidos responsáveis.
É menos flagrante, mas na Europa rica instalou-se a mesma sensação de declínio e queda. Os eleitores estão zangados. Muitos deles foram despedidos por serem velhos, não concluíram as suas carreiras e sabem que não vão ter direito a pensões decentes. E pagaram as pensões da geração anterior, com regras vantajosas que não será possível manter. Despedir um pouco antes do final da carreira, eis a melhor forma de resolver o problema das pensões futuras.
Muitos destes eleitores ficarão sem trabalho devido aos avanços tecnológicos e será muito pior com a inteligência artificial. Muitos destes eleitores não terão emprego porque o Estado já não emprega como antigamente. Muitos destes eleitores estão zangados com os resgates pagos com os seus impostos e com os custos crescentes de serviços que, no passado, eram gratuitos. Sobretudo, as pessoas tentam imaginar a sociedade futura e só encontram a parede das ameaças: dos mercados que não elegem, das dívidas que não fizeram, do emprego que será extinto amanhã, do salário que não sobe, dos impostos que nunca descem, dos cortes que não acabam, da mudança que nunca chega. “O valor de um homem é apenas tão elevado como o valor das suas ambições”, escreveu outrora o imperador romano Marco Aurélio. Talvez a frase se aplique à política de hoje e à menoridade aparente da ambição nas nossas sociedades e no nosso tempo.
*A questão é controversa: muitos trabalhadores olham para a vaga de imigração com desconfiança e votam de acordo com essa preocupação. Acreditam que os migrantes lhes estejam a tirar o trabalho. Não há provas de que isto seja assim, mas os defensores da imigração afirmam por seu lado que haverá vantagens económicas na vaga migratória, admitindo indirectamente o efeito potencial de depreciação de salários, pois continua a existir desemprego elevado em alguns dos países que estão a receber esses migrantes. Ou seja, a imigração vai ocupar postos de trabalho que estavam vazios por serem muito mal pagos, nem os desempregados locais os queriam por aquele salário, que se manterá assim sempre muito baixo.
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