O assombro do inexplicável
William Topaz McGonagall ficou conhecido, ao que parece com razoável justiça, como o pior poeta de sempre da língua inglesa. A dimensão do talento de McGonagall percebe-se melhor se tomarmos um exemplo da sua vasta obra:
Beautiful Railway Bridge of the Silv’ry Tay!
Alas! I am very sorry to say
That ninety lives have been taken away
On the last Sabbath day of 1879,
Which will be remember’d for a very long time.
Pelo visto, na tragédia em que McGonagall se inspirou, morreram, na realidade, 75 pessoas. Mas, na verdade, isso não importa. Já se sabe que a veia não se deixa conformar pelos estreitos caminhos dos factos e que o poeta deve dar vazão à sua urgência criadora. De acordo com crónicas credíveis, a inspiração levou McGonagall a incontáveis momentos de apoteose junto de um público que aproveitava invariavelmente as suas récitas para dar destino aos excessos de stock de ovos, tomates e vegetais diversos. A sua fama correu célere pelas colinas verdejantes da Escócia e a sua fama precedeu-o em incontáveis ocasiões. Informado da morte de Tennyson, McGonagall decidiu dirigir-se ao castelo de Balmoral para propor-se como poet laureate, tendo sido informado de que a Rainha se encontrava ausente sem previsão de regresso. Numa das suas obras mais notáveis, Poetic Gems, Mcgonagall deixou para a posteridade a confissão de que o momento mais assombroso da sua vida foi aquele em que descobriu o seu incomensurável talento poético. O mesmo assombro, a mesma vertigem da descoberta, terá experimentado o ministro Pires de Lima perante o inexplicável desastre financeiro do BES e da PT. Esperemos que, face à míngua de tomates que enfrentamos, e ao contrário do que aconteceu a McGonagall, Pires de Lima possa ainda ser reconhecido como poeta oficial da República Portuguesa.