O aprendiz de feiticeiro
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Pedro Sánchez sai das urnas mais fragilizado do que havia saído há seis meses, nas legislativas espanholas de 28 de Abril. Tendo ascendido ao poder por uma votação parlamentar negativa, em Junho de 2018, foi incapaz de transformar essa soma conjuntural que o impulsionou para o Palácio da Moncloa numa coligação governamental - experiência aliás inédita no país vizinho desde a guerra civil, terminada há 80 anos.
O líder socialista, chefe do Executivo em exercício que continua a governar com o orçamento do seu antecessor, o conservador Mariano Rajoy, apostou tudo em novas eleições legislativas, fazendo os espanhóis regressar às assembleias de voto. Foram cálculos egoístas, que levaram em conta o básico interesse partidário em vez do interesse nacional: Sánchez nunca pretendeu gerar consensos para a formação de uma maioria sólida e contava com trunfos acessórios - a sentença condenatória do Supremo Tribunal sobre os líderes separatistas da Catalunha e a exumação dos restos mortais de Francisco Franco - para crescer em votos e mandatos.
Afinal, nem uma coisa nem outra: este tacticismo de vistas curtas só deu fôlego às franjas mais radicais do independentismo catalão e ao nacionalismo identitário e populista, entrincheirado no Vox.
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Se era difícil governar Espanha em Abril, mais difícil se tornará a partir daqui. Com o seu irresponsável aventureirismo, Sánchez sai agora das urnas com menos 0,7% (baixou para 28%) e menos três deputados no Congresso (tem só 120 em 350). Perdeu a maioria absoluta no Senado, deixou fugir mais de 800 mil eleitores e encontra agora um parlamento muito mais pulverizado e tribalizado. As forças soberanistas e regionalistas, somadas, passam a ter 40 assentos parlamentares - equivalendo ao quarto maior bloco no Congresso de Deputados.
Imediatamente à sua esquerda e à sua direita, encontrará partidos mais debilitados. O Podemos (socialista revolucionário) recua: tem menos sete deputados, menos 2,2% - representa agora só 9,8% dos eleitores - e menos 800 mil votos. O Cidadãos (centrista liberal) sofre uma hecatombe: baixa de 15,9% para 6,8%, vê o grupo parlamentar reduzido de 57 para 10 lugares e perde 2,5 milhões de eleitores nestes seis meses.
Enquanto o Partido Popular progride (cresce de 16,7% para 20,9%, atrai mais 700 mil eleitores, conquista 23 novos lugares no Congresso e outros 24 no Senado, recuperando 33% dos assentos parlamentares em relação a Abril) e o Vox ascende a terceira força política em Espanha, com mais cinco pontos percentuais (tem agora 15,1%), 52 deputados (mais 28) e 3,6 milhões de votos (um milhão acima do que obtivera no anterior escrutínio), tornando-se já o primeiro partido em Múrcia e Ceuta, enquanto regista um crescimento espectacular na chamada "cintura vermelha" de Madrid, que sempre votou à esquerda.
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Mal chegou ao poder, Sánchez apressou-se a rumar à Catalunha para dar face ao líder separatista catalão Quim Torra, como se fosse seu homólogo, e no debate televisivo de há uma semana absteve-se de criticar o dirigente máximo do Vox, Santiago Abascal, na secreta esperança de que este travasse a progressão eleitoral do PP. Abriu a caixa de Pandora e terá de enfrentar as consequências - infelizmente com péssimas expectativas para o país, nosso principal parceiro comercial, numa altura em que a Comissão Europeia antevê um anémico crescimento económico espanhol para 2020: apenas 1,5%.
O jornal digital El Confidencial - o mais lido em Espanha - faz uma síntese perfeita neste título: «Uma Espanha ingovernável, sem centro e com Vox como terceira força». Cada vez mais se confirma: o tabuleiro político de longo prazo não é propício aos aprendizes de feiticeiro.