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Delito de Opinião

O António que se segue

Pedro Correia, 28.09.14

Foto Eduardo Costa/Lusa

 

1. Não vale a pena especular sobre quem terá contribuído mais para a eleição de António Costa como candidato do PS à chefia do próximo Governo. Militantes ou simpatizantes? Foram ambos. A diferença de votos em relação a António José Seguro, ao totalizar dois terços dos sufrágios, foi tão expressiva que dissipa qualquer dúvida.

 

2. Há que reconhecer: o processo de eleições primárias no PS foi o mais amplo do género desde sempre registado em Portugal e decorreu com irrepreensível civismo. Julgo tratar-se de um processo sem marcha-atrás, que funciona a crédito de Seguro. Embora a figura de "candidato a primeiro-ministro", em boa verdade, não exista no sistema constitucional português.

 

3. Os partidos que ainda não adoptaram esta solução para a escolha dos seus líderes terão rapidamente de adaptar-se às exigências dos novos tempos. A democracia, para se revigorar, não pode prescindir desta expressão da cidadania. Acabou o tempo em que os principais dirigentes partidários eram eleitos em petit comité.

 

4. Costa ganha por larga margem após uma campanha minimalista, em que nada prometeu e quase nada de concreto antecipou do seu futuro programa de Governo. Viu esta estratégia coroada de êxito: militantes e simpatizantes acabam de lhe passar um cheque em branco que ele preencherá como entender.

 

5. É uma vitória do PS histórico e uma espécie de desforra ao retardador da tendência sampaísta do PS, que perdeu para o guterrismo em 1992. Na altura, Seguro alinhou com o vencedor António Guterres enquanto Costa se manteve firme no apoio ao derrotado Jorge Sampaio. A tendência social-cristã eclipsa-se como nunca aconteceu nestes vinte anos de história do partido que se prepara para ter um terceiro lider chamado António.

 

6. Costa, que venceu em todas as federações socialistas excepto na Guarda, tem dois desafios fundamentais pela frente. O primeiro é unir e mobilizar todo o partido após uma campanha marcada por fortíssimas animosidades entre os dois candidatos. Parece ser o desafio menos difícil: a promessa de poder costuma congregar as hostes. E Seguro facilitou-lhe a tarefa ao abandonar o palco já esta noite.

 

7. Mais complexo é outro desafio que o ainda presidente da câmara de Lisboa, assumido apreciador de puzzles, tem pela frente: combater as tendências centrífugas no PS, à semelhança do que vem sucedendo nos partidos da sua família europeia. A atracção por novas forças partidárias, com protagonistas diferentes e um discurso mais radical, é um problema sério dos socialistas moderados.

 

8. Algumas figuras históricas do PS tenderão a empurrar Costa para entendimentos políticos à sua esquerda. Tenho as maiores dúvidas de que o caminho a seguir pelo novo líder acabe por ser este. O PCP, por exemplo, já separou as águas, reiterando a sua oposição a três pilares de uma futura governação socialista: manutenção de Portugal na União Europeia, no sistema monetário europeu e na Aliança Atlântica.

 

9. Com três dos quatro anos da legislatura decorridos, e depois de inúmeros vaticínios malogrados mês após mês sobre a iminente demissão de Passos Coelho da chefia do Governo, quem acaba afinal por sair antes do prazo inicialmente previsto é o líder do maior partido da oposição. Empurrado pelos seus pares, o que confere uma nota de amarga ironia ao percurso de um homem que exigiu vezes sem conta a resignação do primeiro-ministro, aparentemente convencido de que bastaria repetir este estribilho para que os seus desígnios se tornassem realidade.

 

10. À direita, Passos Coelho e Paulo Portas têm motivos para ficar preocupados. O novo rival, robustecido por este resultado, é muito mais temível do que o antecessor, que nunca encontrou uma linha de rumo clara na oposição ao Governo. Parafraseando o autarca lisboeta numa farpa que ele próprio dirigiu a Seguro no frente-a-frente da RTP, Costa deve sonhar ser primeiro-ministro desde pequeno. É uma ambição legítima -- e em política estas coisas contam. Mas ele, que aprecia citações, deve tomar esta em devida nota: "Tem cuidado com o que desejas porque pode tornar-se realidade."

3 comentários

  • Sem imagem de perfil

    M. S. 29.09.2014

    Senhor Octávio:
    Não seja tonto.
    Num universo de 243 mil eleitores, dos quais terão votado 170 ou 180 mil, acha que é possível evitar uma ou outra tonteria?
    Afinal, há muitos octávios no país.
    O processo tem de ser avaliado na sua globalidade.
    E na esmagadora globalidade foi irrepreensível.
    O que virá depois é uma incógnita, pois progósticos só depois do jogo, como dizia o outro.
  • Sem imagem de perfil

    Octávio dos Santos 29.09.2014

    Conhece-me de algum lado? Tonto é você. Se há algo que o PS não tem nem nunca teve é «irrepreensibilidade» - é só perguntar a Rui Mateus, se conseguirem encontrá-lo. Porém, concordo que, num contexto mais alargado, pôr mortos a votar e dar tabefes em opositores é (muito) menos grave do que levar o país à falência... enquanto se tenta impor essa aberração ilegal e inútil que é o «aborto pornortográfico».
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