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Delito de Opinião

O abismo grego

Pedro Correia, 01.07.15

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A irresponsabilidade, o experimentalismo extremo e a navegação à vista estão a debilitar de forma irreversível o Governo grego: com o país ainda formalmente inserido na União Europeia, a coligação Syriza-Anel conseguiu rebaixá-lo ao nível de um Sudão ou um Zimbábue, que também falharam o cumprimento das suas obrigações financeiras.

Os bancos gregos estão encerrados. E a população deixou de dispor sequer da liberdade de utilizar o seu dinheiro devido à proibição governamental de levantamentos diários superiores a 60 euros nas caixas multibanco, aliás em grande parte já descapitalizadas.

Se a situação era má quando o actual executivo tomou posse, em Janeiro, agora é péssima: a Grécia prossegue no caminho para o abismo enquanto alguns basbaques cá do burgo - cada vez menos, valha a verdade - ainda se atrevem a vitoriar Tsipras e Varoufakis, condutores de um comboio desgovernado.

Incapaz de conseguir financiamento autónomo, sem o menor prestígio internacional e com as suas próprias hostes divididas, o ainda primeiro-ministro grego ensaia agora uma nova fuga em frente levando a referendo no domingo uma pergunta que se tornou absurda: «Deverá ser aceite o projecto de acordo que foi apresentado pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional no Eurogrupo em 25 de Junho?»

O "projecto de acordo" a que a pergunta alude caducou assim que Atenas entrou em incumprimento. De qualquer modo, responda como responder o eleitorado, resta ver até que ponto Tsipras e Varoufakis serão capazes de ultrapassar o assombroso nível de incompetência que vêm demonstrando.

Nisso, pelo menos, ninguém deve subestimá-los.

23 comentários

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    Diogo Moreira 02.07.2015

    Porém, o texto é extremamente faccioso: coloca a culpa apenas e só nos actuais governantes gregos, os quais foram chantageados desde o primeiro minuto (e até houve tentativas de muitos líderes europeus de influenciar as eleições gregas que levaram estes governantes ao poder).

    A estratégia da Europa é vergar estes gregos, colando-lhes apenas atributos negativos. A austeridade, que tudo piorou onde foi aplicada (é só ler o relatório de avaliação do FMI onde está lá taxativamente que erraram), mas isso parece não interessar para nada aos líderes europeus.

    Mas a culpa é dos gregos, preguiçosos para trabalhar e mentirosos nas contas, a viver acima das suas possibilidades, enquanto que os bons povos do Norte são chamados a pagar as contas, não é? (Pode-se facilmente substituir 'gregos' por 'portugueses', 'espanhóis' e 'italianos', que serão as próximas vítimas. Mesmo que se jure até à exaustão que 'nós' não somos como os gregos.)
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    Pedro Correia 02.07.2015

    Quem está a vergar o povo grego é este Governo irresponsável.

    Irresponsável a vários títulos:

    1. Fez promessas eleitorais absolutamente irrealistas e que sabia de antemão que jamais poderiam ser cumpridas num Estado com absoluta falta de liquidez. Exemplos:
    - Aumento do salário mínimo
    - Electricidade gratuita para cerca de um milhão de pessoas
    - Restituição do subsídio de Natal
    - Abolição das taxas moderadoras
    - Medicamentos gratuitos e passes de transportes também gratuitos para desempregados
    - Renacionalizações de empresas privatizadas ou em fase de privatização
    Promessas que, se fossem cumpridas, agravariam em nove pontos percentuais o défice das contas públicas.

    2. Diz-se contra os ricos e os poderosos, mas mantém praticamente inalteradas três entidades todas-poderosas que não ousa beliscar: a Igreja ortodoxa, que continua isenta de impostos; as forças armadas, que dispõem da maior fatia do orçamento estatal de um país da NATO no continente europeu; os armadores gregos, donos de uma das três maiores frotas mercantes do mundo e que continuam isentos de impostos, ao abrigo do artigo 107º da Constituição, apesar de terem lucros anuais superiores a 17 mil milhões de euros.

    3. Convoca - num prazo recorde e sem campanha eleitoral possível em apenas cinco dias úteis, tempo insuficiente para qualquer debate sério - um referendo que constitui uma fraude política. Porque induz os gregos a concluir que um voto "não" é um voto europeísta e destinado a fortalecer a presença da Grécia na eurozona. Mas esse voto representará a ruptura definitiva com o euro, como nenhum decisor político ignora na União Europeia.
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    Diogo Moreira 02.07.2015

    Fazendo um paralelo com Portugal, quem é o "culpado" da situação portuguesa: o actual Governo, liderado por Passos Coelho e Portas, ou o anterior, da responsabilidade de Sócrates?

    Quanto aos gregos, os actuais receberam um país fustigado por uma grande crise económica, onde o principal problema é a falta de poder aquisitivo da população. E, como todas as estatísticas evidenciam, um aumento do rendimento das pessoas iria sobrecarregar pouco as Importações, dado que a maioria da actividade económica da Grécia é gerada internamente. Como tal, um aumento na Procura Agregada do país iria traduzir-se num aumento da recolha de impostos, pelo que não é líquido o efeito nas contas públicas.

    No que toca às forças armadas, propôs um corte de 300 milhões de euros, os quais foram liminarmente recusados pelo FMI. Aliás, fez toda uma contra-proposta onde aceitava deixar cair várias promessas eleitorais, mas que sobrecarregava igualmente as empresas em sede de IRC - que foi, mais uma vez, recusada pelo FMI.

    Estando numa situação de permanente escrutínio pelo órgãos de média durante as negociações com as 'instituições', onde lhes foi feita uma oferta de "pegar ou largar" que ia contra tudo o que era defendido pelo Syrisa e não permitir que seja o povo - a base da democracia - a escolher o seu próprio "veneno", porque isso não dá tempo a um debate alargado? O Pedro acredita mesmo no que escreveu?
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    Pedro Correia 02.07.2015

    Falei-lhe de questões muito concretas às quais não deu resposta. Como aliás eu já previa.
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    Diogo Moreira 02.07.2015

    Falho em ver que questões o Pedro tocou que não teve reposta (excepto a Igreja Ortodoxa e os grandes armadores, dos quais não tenho dados, mas que é irrelevante no contexto geral do que escreveu).

    Mas eu repito para ficar bem claro: os números dão razão ao Tsipras e companhia. Os líderes europeus querem imolar os governantes gregos por uma questão de ideologia e não estão a olhar a meios para o fazerem.
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    Pedro Correia 02.07.2015

    Você conclui que os números "dão razão" a Tsipras enquanto alega desconhecer a escandalosa protecção à Igreja Ortodoxa, cujos bens e receitas permanecem livres de impostos, e aos poderosos armadores gregos, isentos igualmente de obrigações fiscais ao abrigo do artigo 107º da Constituição grega?
    Como chega a uma conclusão tão peremptória sobre o acerto da estratégia financeira do governo Syriza-Anel enquanto admite ignorar aspectos tão importantes da realidade grega?

    Será que desconhece igualmente que um dos pontos de divergência entre o executivo Tsipras e a tróica (agora baptizada de "instituições" mas composta pelos mesmíssimos membros da tróica) incidiu no montante das despesas militares, que o executivo grego insiste em manter praticamente inalteradas? Só propôs, à última hora, uma redução de 200 milhões de euros (o equivalente a 5% do total) quando a Grécia continua a reservar 2,2% do seu PIB às forças armadas (a maior parcela de um país da NATO excepto os EUA). Nem em estado absoluto estado de necessidade, como agora sucede, a esquerda radical retira privilégios a coronéis e generais...
    http://www.theguardian.com/world/2015/jun/23/why-has-greece-only-now-included-defence-cuts-in-its-brussels-proposals
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    Diogo Moreira 02.07.2015

    O Pedro continua a confundir a árvore com a floresta. Por muito grande que lhe pareça a parte da Igreja Ortodoxa ou dos grandes armadores, isso é relativamente pequeno no PIB grego. Podia-se cortar para um décimo e, mesmo assim, pouco afectaria as Contas.

    Quem concluiu que os números dão razão ao Tsipras foi o FMI, no seu relatório de análise às políticas aplicadas na Grécia - os cortes foram demasiado profundos, a contracção económica provocada pela austeridade teve ainda mais impacto que o previsto porque foram mal calculados os multiplicadores económicos, e teria sido muito melhor nem sequer ter lá metido a mão. Sugiro uma leitura deste relatório, dado que o braço executivo desse mesmo FMI parece não se ter dado ao trabalho.

    E toda a sua argumentação no mundo é incapaz de explicar porque o FMI não aceitou a proposta da Grécia por motivos económicos. O Syrisa aceitou recuar e levou um rotundo "Não!", esticando-se a corda para a situação actual.

    O Tsipras e companhia não são uns anjos neste processo e os culpados são só os outros. A parcela que lhes toca da culpa é que é bem inferior à do Eurogrupo, Comissão Europeia e FMI.
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    Pedro Correia 02.07.2015

    Aí está a resposta de Tsipras. Convoca um turbo-referendo, em tempo recorde, sem possibilidade de debate sério, endossando as responsabilidades que lhe cabem para cima dos eleitores. E lava as mãos, como Pilatos.

    Com isso prossegue apenas o que tem feito: ganhar tempo. Empurra com a barriga enquanto os problemas se avolumam. Esperando que a passagem do tempo, por milagre, resolva alguma coisa. Talvez por essa crença nos milagres não ouse afrontar a toda-poderosa Igreja Ortodoxa...

    O engenheiro Tsipras não cumpriu uma só promessa eleitoral, começando pela reestruturação da dívida que iria "exigir" aos credores. Agora apela ao voto "não" como se dele surgisse o "sim" como consequência. É uma falsidade óbvia: o "não" acelera o rumo alucinado da Grécia para fora da eurozona.
    Estamos perante um caso extremo de demagogia política.

    Que Tsipras encontre seguidores deste lado da Europa é algo que não cessa de me espantar.
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    Diogo Moreira 02.07.2015

    O Pedro continua a diabolizar o Tsipras, como se ele tivesse as costas tão largas que abarque todas as culpas de um processo que se vem avolumando há anos.

    Aponta mais uma vez culpas no cartório à toda-poderosa Igreja Ortodoxa por esta ficar de fora de um qualquer ajuste de contas através de impostos, preferindo ignorar a pequena parcela que isso representa na Economia grega.

    Porque o problema é, verdadeiramente outro: os 'remédios' que são propostos apenas colocam a Grécia numa situação agonizante até 2030 e não resolvem nada de fundamental. Os políticos europeus preferem continuar a assobiar para o ar e ignorar que o ponto de partida deles está errado - como demonstram com números Economistas como Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Wolfgang Munchau, Simon Wren-Lewis e até a equipa de estudos do FMI, entre outros, em vez de se entreterem em retóricas e ataques aos seus oponentes.

    Mas é bem mais fácil arranjar um bode-espiatório do que contas a sério.
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    Pedro Correia 03.07.2015

    É bem mais fácil políticos fugirem às responsabilidades, como acaba de fazer o ministro das Finanças grego ao anunciar que se demitirá na segunda-feira se o 'sim' vencer o referendo.
    Chantagem inadmissível e totalmente irresponsável. Que soma uma crise política à gravíssima crise financeira em que mergulhou a Grécia.
    Com tiradas demagógicas, como aquela de que prefere "cortar um braço" a negociar um novo programa de resgate, Varoufakis cobre-se de ridículo - e envergonha todos quantos o apoiaram por cá - no preciso momento em que o FMI acaba de avaliar as necessidades gregas para os próximos três anos em cerca de 50 mil milhões de euros.
    Conclusão: estes dirigentes estavam totalmente impreparados para assumir o poder: é a conclusão a que chega qualquer pessoa de bom senso e capaz de analisar os factos sem pálas nos olhos.
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    Diogo Moreira 03.07.2015

    Mais uma vez, o Pedro faz uma "fuga para a frente"... Em caso de dificuldade em aceitar os números, é preferível culpar alguém, qual sacrifício humano que deva ser imolado no altar que, inconscientemente, idealiza!

    O que está em causa não é uma solução para a Grécia. Em termos económicos, para quem empresta, é preferível receber uma parte do que emprestou (concedendo condições mais favoráveis a quem pediu emprestado e se vê sem possibilidades de honrar os pagamentos) do que a liquidação definitiva do devedor e consequente impossibilidade de reaver sequer parte do que emprestou. Ora, os líderes europeus e a parte executiva do FMI querem fazer da Grécia um exemplo, tal como nos EUA fizeram um exemplo do Lehman Brothers, e não se parecem importar dos meios que usam para atingir os seus fins.

    Podemos achar que os gregos são isto ou aquilo (tal como achamos dos habitantes do Arquipélago da Madeira quando o Continente foi chamado a pagar as dívidas), mas não são eles os principais responsáveis da actual situação. Muito menos os governantes que acabaram de pegar num país que já levava com dois "resgates" em cima e cuja situação se foi sempre deteriorando com os sucessivos Governos que tiveram.

    Ao menos, estes são lúcidos o suficiente para tentarem outras vias que não "mais do mesmo": mais precariedade, mais pobreza, mais miséria para a generalidade do povo grego (mesmo que uma franja da população esteja quase imune a isso, por pertença à liderança da Igreja Ortodoxa ou por serem uns magnatas armadores ou por terem ligações à Defesa).
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    Pedro Correia 03.07.2015

    O que o governo Syriza-Anel tem proporcionado aos gregos é precisamente isso: "mais precariedade, mais pobreza, mais miséria para a generalidade do povo grego".
    Em Janeiro, a Grécia tinha perspectivas de crescimento económico de 2,5% para 2015. As previsões estão neste momento ao nível do chamado "crescimento zero". E o ano ainda só vai a meio.
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    Diogo Moreira 03.07.2015

    Só aponta a estimativa dos 2,5% da Comissão Europeia? E porque não os 2,9% do FMI em Outubro de 2014 (https://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/02/pdf/c2.pdf página 50)? Talvez seja por causa do enorme falhanço das previsões do FMI, como se pode ver aqui: http://krugman.blogs.nytimes.com/2015/06/25/breaking-greece/

    Estas previsões assentam todas em cenários demasiado optimistas, sendo que iriam ser revistas mais cedo ou mais tarde. E com a intransigência de ambas as partes, as 'instituições' por quererem subjugar os gregos como exemplo para a via única da austeridade e do Governo grego que não aceita as péssimas condições que lhes são oferecidas, está-se na situação actual.

    O Pedro continua a misturar duas questões distintas: a económica e a política.
    Economicamente, a política da austeridade, culpabilizando os povos de serem demasiado gastadores para assim justificarem a transferência de valores dos contribuintes para os grandes investidores (especialmente a Banca, principal causadora da situação actual) é um erro crasso. A Teoria Económica é clara: mais austeridade resulta em mais recessão e agrava os indicadores que estão a ser religiosamente observados pelos líderes europeus (défice público e dívida pública).
    Politicamente, os gregos desafiaram quem controla os destinos da Europa. Aliás, uma boa parte das decisões que deveriam tocar a todos os Estados-Membros no Euro têm ido ao Parlamento Alemão para serem lá votadas! Já a eleição do Syrisa foi uma afronta (pois venceu as eleições, apesar de todos os políticos europeus terem tentado condicionar as eleições num Estado-Membro da União Europeia); e a recusa de prestar a mesma vassalagem que os anteriores Governos fizeram em relação à 'troyka' todo-poderosa não pode passar sem o seu castigo!
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    Pedro Correia 03.07.2015

    Você debita a propaganda grega, misturando-a com alguns dados macroeconómicos e vulgata geopolítica. Daí faz uma salada grega.
    Vamos a factos:
    - Durante décadas, a Grécia gastou sempre mais do que as receitas que arrecadava.
    - Durante décadas, a Grécia foi incapaz de gerar riqueza mais fazer face à espiral de despesa pública. Por isso contraiu mais dívida, sempre mais dívida.
    - A Grécia não cumpriu os critérios de convergência que constituíram os alicerces da eurozona.
    - O Estado grego martelou as contas públicas, mentindo às instituições comunitárias sobre o seu défice real.
    - A despesa pública na Grécia cresceu desmesuradamente à custa dos fundos comunitários, canalizados para obras faraónicas e o alargamento da pesada máquina administrativa grega.
    - A corrupção galopante, um sistema de justiça ineficiente e um aparelho de colecta fiscal totalmente inoperante são aspectos irrefutáveis da realidade grega.
    - A Grécia reserva a maior fatia orçamental dos países da NATO para despesas de âmbito militar (cerca de 2% do PIB).
    - Cerca de 17% da despesa pública grega é canalizada em exclusivo para o pagamento de pensões - a mais alta taxa da eurozona.
    - A Grécia é o país recordista em fraude e evasão fiscal.
    - Em 2010 e 2012 a Grécia recebeu mais de 200 mil milhões de euros de ajuda financeira de emergência que pressupunha reformas que não saíram do papel.
    - Mais de metade da dívida grega foi perdoada, o prazo dos empréstimos foi dilatado e a taxa de juro baixou por decisão política da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu.
    - Apesar de tudo isto, a Grécia entrou em incumprimento a 1 de Julho, dia em que deixou por cumprir as obrigações financeiras assumidas perante o FMI.
    - Atenas necessita, nos próximos três anos, de mais 50 mil milhões de auxílio financeiro externo (cálculos do FMI)
    - As opiniões públicas europeias, inicialmente compreensivas, tornaram-se marcadamente hostis face à crescente arrogância dos gregos, que pretendem continuar a receber auxílio financeiro externo sem reformar a anquilosada economia do país. Tsipras e o Syriza não se encontram apenas cada vez mais isolados na frente interna: não dispõem de qualquer apoio significativo na Europa comunitária.
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    Diogo Moreira 03.07.2015

    A origem do problema grego, tal como o português, irlandês, espanhol, italiano e afins foi a ganância desmedida das instiuições financeiras a nível mundial. Ao mesmo tempo que se desregulamentava o sector (especialmente nos EUA com o repúdio de normas colocadas em vigor após os anos 1930s), foram criados instrumentos cada vez mais complexos (como os CDS, Credit Default Swaps, entre outros), os quais eram vendidos como a oitava maravilha do mundo, com ratings à prova de bala fornecidos pelas casas de notação financeira, mas que posteriormente ficaram conhecidos como "activos tóxicos".

    Rebenta a crise e a tendência que se seguiu foi a nacionalização dos prejuízos, através dos contribuintes dos vários Estados. Países que tinham contas bonitas (com superávites, como a Irlanda) tiveram o mesmo destino de países que aldrabavam as contas há anos (como Portugal e Grécia): foram apertados para reembolsarem os empréstimos que lhes tinham sido feitos, sendo criada uma 'task force' conjunta para celerizar o processo. Já não interessou o resultado a médio/longo prazo das políticas exigidas aos incumpridores, mas tão somente a arrecadação de curto prazo dos muitos milhões especulativos.

    Foram inventados argumentos para vender estas balelas aos contribuintes, desde viverem acima das suas possibilidades até à corrupção endémica e permanente, passando pela falta de vontade em trabalhar e outros considerandos semelhantes. O número mágico que utilizaram foi o dos juros da dívida pública, o qual não parava de crescer face à inoperância do BCE de Trichet em relação aos ataques especulativos dos mercados.

    As políticas impostas nos países intervencionados foram apenas e só no sentido de retirar recursos internos a quem se podia taxar, sendo esses recursos destinados ao reembolso dos credores. Economicamente, estariam apoiadas em dois estudos ("austeridade expansionária" e "«treshold» da dívida pública"), os quais tinham erros graves de concepção e rapidamente foram riscados como inúteis. Porém, o FMI foi igual a si próprio e apresentou o mesmo menu de sempre, o qual só teve sucesso em Portugal nos tempos de Mário Soares.

    Os líderes europeus estão agora num ponto sem retorno: as políticas que adoptaram pioraram a situação (especialmente no contexto de uma União Monetária, onde a táctica era todos terem superávites nas contas, a qual é manifestamente impossível dado o perfil das trocas comerciais europeias e a falta de parceiros comerciais com vigos económico para receber todas as exportações europeias que seriam necessárias). Mas não tome a minha palavra como certa: leia o relatório do FMI que está lá tudo explicado, desde erros de avaliação da situação inicial, falhas nas estimativas de importantes considerandos económicos e imposição de medidas erradas ou em doses muito para além do saudável.

    Quanto aos gregos em particular, pode substuí-los por "portugueses", "espanhóis" ou, mais curiosamente, por habitantes do Arquipélago da Madeira. Sim, têm gente corrupta. Sim, têm muitos que fogem aos impostos. Sim, assumiram obrigações que não podem cumprir. Sim, tiveram dirigentes políticos incapazes. Sim, fizeram enormes obras públicas com prejuízos para o erário público. Sim, foram ajudados com juros mais simpáticos até ao BCE de Draghi ter entrado em acção. Tudo isso é verdade. Mas isso não é suficiente para prosseguir esta estratégia de liquidação de dívidas, como se o país acabasse amanhã! Especialmente, quando o objectivo é recuperar o que se emprestou, não se pode enforcar o incumpridor!

    Eu bem sei que é tentador resumir tudo a uma questão moral - os gregos que expiem os seus pecados! Que sofram na pele as asneiras que os seus representantes escolheram, dado que (segundo o que se diz por aí) um povo só é tão bom quanto os políticos que elege! Que deixem de ser molengões e que trabalhem!

    Só que isto não é Economia. É procurar um bode-espiatório.

    O Pedro bem que pode continuar a elencar todas as culpas dos gregos (ou portugueses, ou espanhóis, ou Madeirenses, ou outros) que isso representa uma percentagem demasiado pequena do problema.

    E, se quiser ver isto numa perspectiva mais egoísta, hoje são os gregos na corda-bamba - amanhã somos nós. E quem é que nos acode?
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    Pedro Correia 03.07.2015

    Lamento contrariá-lo, uma vez mais, mas a Europa "não se encontra num ponto sem retorno": isso é propaganda da esquerda radical e da Madame Le Pen. Convergentes na pulsão eurofóbica.
    Nem a Grécia, aliás, se encontra nessa situação. Pode sempre imitar o 'curralito' argentino do início do século - com a desvantagem, mais que óbvia, de não ser um dos principais exportadores de carne a nível mundial.
    Poderia, em alternativa, ter feito as reformas que outros países intervencionados fizeram - Portugal, Irlanda, Espanha, Chipre. Mas os gregos optaram por deixar quase tudo na mesma. Não reformaram o sistema de pensões, não reduziram substancialmente os quadros inflacionadíssimos da administração pública, não reformaram o sistema judicial, não reformaram a anquilosada máquina fiscal, não beliscaram a gigantesca infraestrutura militar com receio de que algum general espirrasse...

    Quiseram o melhor de dois mundos: atingir padrões de consumo europeus (e ainda hoje mantêm 76% do PIB 'per capita' médio da UE) sem as correspondentes obrigações que lhes caberiam, até por solidariedade com os países credores (só Portugal enviou quase dois mil milhões de euros no pacote de auxílio financeiro de emergência para a Grécia).
    A melhor prova de que existe "ponto de retorno" para a Europa é fornecida pela própria opinião pública grega: mais de 70% prefere manter-se não apenas na União Europeia mas na eurozona.
    Estou convicto, aliás, de que o 'sim' triunfará nas urnas este domingo. Apesar das chantagens do Governo Syriza-Anel. O governo mais eurofóbico desta Europa a 28.
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    Diogo Moreira 03.07.2015

    Se quer um texto lúcido sobre este assunto, http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/nao_pecas_a_quem_pediu.html .
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    Pedro Correia 06.07.2015

    Se quer um enquadramento muito útil da questão, remeto-o para aqui:
    http://greece.greekreporter.com/2015/06/27/what-tsipras-had-stated-about-the-greek-referendum-in-2011/
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    Diogo Moreira 06.07.2015

    O facto de um tribunal decidir algo acerca de uma providência cautelar apenas quer dizer que alguém interpôs uma acção junto desse tribunal. Nada mais que isso.

    A opinião de Azaredo Lopes vai no sentido do referendo ser uma coisa perfeitamente natural. Todo o texto vai no sentido de que a vida continua, como sempre, com os seus ritmos naturais. E endereça os seus parabéns aos gregos, qualquer que seja a escolha deles. O que ele votaria é o menos importante.

    E querer condicionar a opinião de uma pessoa hoje pelo que disse há 4 anos atrás não é honesto. Toda a gente tem o direito de mudar de opinião.
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    Pedro Correia 07.07.2015

    Escrutinar o que um político disse e fez no passado "não é honesto"? Essa tese é absolutamente inaceitável. Temos não só o direito mas o dever de fazer isso.
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    Pedro Correia 07.07.2015

    E já que gosta tanto de me recomendar leituras, recomendo-lhe eu esta:
    http://www.economist.com/news/business-and-finance/21657002-landslide-victory-rejecting-countrys-creditors-demands-oxymoron-or-pyrrhic-victory
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    Diogo Moreira 07.07.2015

    Uma opinião é apenas isso: uma opinião. Não é um contrato - nem sequer é uma promessa! Que o Pedro não concorde com a posição actual do Tsipras, tudo bem. Agora, esperar que uma pessoa fique amarrada uma uma opinião assumida há 4 anos não é correcto. As pessoas mudam, por necessidade ou oportunismo, mas mudam!

    O artigo que me sugeriu não me disse nada de novo. Aliás, se reler a nossa conversa verá que eu nunca disse que o resultado do referendo iria operar um qualquer milagre. Apelidei a escolha de dois "venenos". Ou, se quiser uma metáfora culinária, os gregos saltaram da sertã (onde estavam a ser cozinhados em lume brando) para o fogo.
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