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Delito de Opinião

Notas políticas (5)

Pedro Correia, 12.11.15

Vivemos na sociedade dos tudólogos em instantes compartimentados. Estas coisas funcionam por ciclos. Em certas ocasiões avançam os sociólogos falando sobre tudo e o seu contrário. Noutras alturas é o momento dos psicólogos. Isto sem esquecer os politólogos - essa espécie recente mas extremamente abundante que noite após noite nos entra domicílio adentro, via televisão.

 

Chegou a hora dos constitucionalistas. Há-os de diversos matizes e para todos os gostos. Ontem, por exemplo, ouvi um deles de sobrolho franzido apontando um dedo autoritário ao actual inquilino de Belém. Esta eminência considera "inconstitucional" a hipótese de Cavaco Silva optar por não conferir posse ao Executivo minoritário do PS.

De uma penada, o douto especialista na lei fundamental portuguesa reduz a estilhaços o semipresidencialismo da Constituição de 1976 e o fundamento último para a eleição do Chefe do Estado por sufrágio universal. Como se o Presidente da República nada mais fosse do que o supremo tabelião do regime, cabendo-lhe apenas autenticar decisões assumidas por terceiros em obediência à lógica do facto consumado.

Esquece a esclarecida sumidade que o Presidente tem poderes discricionários pelo menos em três momentos decisivos do nosso ordenamento político: na indigitação do primeiro-ministro, na dissolução da Assembleia da República e na exoneração do Governo - estando neste caso só dependente do seu juízo subjectivo quanto ao regular funcionamento das instituições.

 

Concordemos ou não (e a minha posição já ficou expressa aqui), cumpre reconhecer que se o Presidente decidir prolongar a existência deste Executivo, entretanto transformado em governo de gestão, pode fazê-lo. Porque tem poder discricionário para isso: é um absurdo considerar este comportamento "inconstitucional".

De resto, o Chefe do Estado - excepto nos seis meses finais do mandato - pode livremente dissolver a Assembleia da República: foi isso que Jorge Sampaio fez em Novembro de 2004, quando havia maioria absoluta em São Bento.

Como tem o poder discricionário de recusar primeiros-ministros e pode até rejeitar a indigitação de vice-primeiros-ministros. Ramalho Eanes recusou Vítor Crespo, o primeiro-ministro alternativo a Balsemão que a Aliança Democrática lhe apresentou em Janeiro de 1983. Doze anos depois Mário Soares recusou a promoção a vice-primeiro-ministro de Fernando Nogueira quando este substituiu Cavaco na liderança do PSD já na fase de aquecimento para as legislativas de 1995.


Semipresidencialismo é isto. Digam os tudólogos o que disserem.

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