Nos 95 anos de Adriano Moreira
Retrato de Adriano Moreira na galeria dos antigos presidentes da Sociedade de Geografia de Lisboa
No dia 10 de Julho de 2015, um senhor vestido formalmente, de cabelos brancos e testa alta, ergueu-se da cadeira onde estava sentado, numa livraria do centro de Lisboa, e durante três quartos de hora prendeu a atenção de algumas dezenas de pessoas que o escutavam com uma notável lição de história, geografia, geopolítica - tudo a pretexto da literatura.
Eu estava entre os que tiveram o privilégio de o escutar nesse fim de tarde. E admirei a impressionante rapidez de raciocínio, a notável fluência verbal e a claridade de ideias deste homem que foi advogado e político, é hoje conselheiro de Estado, mas cuja verdadeira vocação nunca deixou de ser o ensino. Deu aulas durante dezenas de anos e deixou um rasto de admiradores em todos os continentes: é um dos portugueses com maior vocação universalista.
A expressão francesa sagesse aplica-se por inteiro a Adriano Moreira, que nessa tarde em Lisboa discorreu sobre a "comunidade de afectos" que a CPLP é acima de tudo - e como a língua comum funciona como poderoso traço de união entre os Estados-membros. Ao contrário do que sucedeu com outras antigas potências coloniais europeias, como a Bélgica ou a Holanda, incapazes de gerar laços afectivos com os povos residentes nas paragens que tutelaram.
Adriano Moreira foi subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (1958-61) e depois ministro do Ultramar (1961-62) com António de Oliveira Salazar, de quem chegou a ser apontado como um dos seus mais jovens e promissores delfins. Enquanto ministro, aboliu a lei do indigenato - uma das medidas de maior alcance social alguma vez decretadas nos então territórios ultramarinos.
A corte da ditadura fervilhava de intrigas contra aquele jovem governante com 40 anos recém-cumpridos que se atrevia a revelar protagonismo num regime em que tantos progrediam na penumbra. Um dia, em Dezembro de 1962, Salazar chamou-o e foi sucinto: "Nós acabamos de mudar de política." Adriano Moreira foi igualmente sucinto: "Então acaba de mudar de ministro."
Nunca mais reassumiu um posto governativo. Fundou a Academia Internacional da Cultura Portuguesa, foi presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, dirigiu o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Correu mundo, escreveu livros, (Tempo de Vésperas, O Novíssimo Príncipe), radicou-se no Brasil após o 25 de Abril, regressou a Portugal, foi deputado e presidente do CDS, retomou a sua paixão de sempre: o ensino.
"A minha mãe ensinou-me que Deus é companheiro e nunca me esqueci disso. Nunca ando sozinho, nunca ando sozinho", declarou em Maio de 2015, numa longa entrevista concedida ao jornal i que vale a pena ser relida.
Pensa bem e diz o que pensa. Gostem ou não do que ele diz. Se em Portugal existisse Senado, ele seria o nosso primeiro senador. Atingidos os 95 anos, que hoje festeja, continua um sonhador. Ouvi-lo falar com tão espantosa agilidade mental é também uma lição de vida.