No sítio errado à hora errada
Primeiro a gente ouve. Depois volta-se atrás para ouvir melhor. A seguir fica-se a pensar no que se ouviu, duvidando-se que tenha sido mesmo assim.
Para que se saiba do que estou a falar, refiro-me à entrevista que o Senhor Embaixador de Portugal na China deu ontem à TDM.
A Televisão de Macau e o jornalista João Pedro Marques cumpriram o seu papel. Já do Senhor Embaixador será difícil alguém, com um mínimo de conhecimento do terreno que se pisa, possa perceber o que disse e por que o disse num momento destes e depois do que foi afirmado pelo Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância da RAEM na Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário.
Desconheço mesmo se alguém no Palácio das Necessidades já terá tido tempo e pachorra para lhe prestar atenção, mas convém que o façam. A diferença horária não serve de desculpa.
Esta não foi a primeira vez que o Senhor Embaixador veio a Macau. Como também não foi a primeira vez que vindo a Macau se mostrou desatento e mal informado. Mas pior do que isso é que o faça sem prestar muita atenção ao que diz, mesmo quando afirma desconhecer o que esteve em causa, e aos inquietantes sinais que transmite.
Haverá certamente quem até esteja de acordo com o que afirmou, designadamente quanto ao encerramento, sem que se conheçam publicamente as verdadeiras razões que estiveram na base da decisão, pois que ninguém tem coragem de dizê-lo, da exposição da World Press Photo.
E igualmente quanto ao que o Senhor Embaixador disse relativamente à "fluidez" com que deverão ser tratados os princípios e valores pelos quais nos guiamos, uma vez mais destratando e desconsiderando o estatuto autonómico de Macau, a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, a Lei Básica de Macau e os interesses de Portugal e dos portugueses nesta parcela da Ásia.
À ponderação, reserva e lucidez dos seus antecessores sobrepôs o Senhor Embaixador o seu discurso pujante, assertivo e impregnado, digo eu, de pragmatismo comercial, numa demonstração de qualidades que faria as delícias do director do departamento comercial de uma cadeia de supermercados.
O cliente tem sempre razão. Parece ser este o lema do Senhor Embaixador de cada vez que lhe colocam o microfone à frente. Pois, sim, há para aí uns princípios e valores mas eu não sei se são mesmo assim nem se vale a pena perder tempo com eles. De qualquer modo, a minha posição é esta. E aqui vai disto. É meia-bola e força.
Estou certo que haverá muita gente, e não apenas na Terra Nova, que compreenderá as declarações do Senhor Embaixador. Eu próprio as compreendo. Todavia, pareceram-me despropositadas e excessivas, colocando em causa, como nunca até aqui, a posição dos interesses portugueses na China e, em especial, os interesses e legítimos direitos e expectativas dos residentes de Macau.
A especial posição e estatuto da Região Administrativa Especial de Macau deviam ser suficientes para que o Senhor Embaixador tivesse percebido, antes mesmo de cá chegar, que Macau não é Qingdao, embora aos seus ouvidos possa soar ao mesmo. E que a sua função não é apenas de comprar ventiladores e máscaras quando é necessário. Ele não é o presidente de uma câmara de comércio. Se o objectivo de Portugal fosse apenas o de vender azeites e vinhos, então seria melhor mandar para cá especialistas nessas matérias, com adequado conhecimento do mercado e sem preocupações de maior em matéria de princípios e valores.
Uma posição dessas tornaria mais compreensíveis e aceitáveis as declarações do Senhor Embaixador, sairia mais económico ao erário público e não deixaria ficar mal nem o Palácio das Necessidades nem todos os portugueses que esperavam do Senhor Embaixador de Portugal outra posição que não a de "ponta-de-lança" dos interesses políticos e económicos do Estado que o acolhe.
É difícil defender bem os interesses de Portugal na China quando quem está de fora, como é o meu caso, lamento dizê-lo, só consegue ver o Senhor Embaixador de costas, de "cócoras" ou sem controlo do linguajar, tagarelando sem sentido de cada vez que vem a Macau.
Sensibilidade política e diplomática nalguns momentos difíceis seria o mínimo a exigir-lhe, ainda que isso possa não ser suficiente para lhe ser atribuído o Prémio Vista Alegre/Atlantis.
E quanto ao mais, como boa pessoa e cidadão, desejo apenas que durma descansado, tenha saúde e seja feliz. Se conseguir sê-lo assim melhor.