No mercado
Desloco-me ao mercado a uma sexta-feira para evitar o movimento dos sábados e deparo-me com o movimento dos sábados a uma sexta-feira. Não há como evitar os outros. As ruas estão desertas, mas é um engano. Entre portas continua a viver-se em comunidade, porque a vida está, desde há muito, organizada assim.
Mas há diferenças. Agora a mole divide-se entre temerosos e temerários. Aqueles que usam máscara identificam-se logo, tal como acontecia nos tempos em que havia futebol e seguiam para o estádio de cachecol e bandeirinha. Mas os adeptos da equipa adversária, apesar de não usarem distintivos, também se revelam sem qualquer subtileza. São os que ostentam olímpico desrespeito pelas novas normas sociais. Falam, movimentam-se, com alarde. Os mais afoitos ainda arriscam apertos de mão.
Na zona da peixaria, a banca mais popular do mercado continua com movimento e Rosa, que a dirige com mão de ferro, também faz questão de mostrar de que fibra é feita. Entra e sai da banca, escolhe o peixe com desembaraço, e não se inibe quando reconhece entre os seus habitués gente da sua equipa. Ei-la, toda sorrisos, a dois palmos de um cliente a quem trata por doutor. Pequena, franzina, à frente de uma equipa de homens, talvez descendentes de pescadores, aprendeu há muito que entre os seus, o respeito conquista-se à força de coragem para desafiar os elementos. Ele, quem sabe, convenceu-se de que a distância de classe o vai preservar, como sempre, de tudo.