No centenário de Sena
(Novembro de 1919 - Junho de 1978)
DESTA VERGONHA DE EXISTIR OUVINDO
Desta vergonha de existir ouvindo,
amordaçado, as vãs palavras belas,
por repetidas quanto mais traindo
tornadas vácuas da beleza delas;
desta vergonha de viver mentindo
só porque escuto o que dizeis com elas;
desta vergonha de assistir medindo
por elas as injúrias por trás delas
ao mesmo sangue com que foram feitas,
ao suor e ao sémen por que são eleitas
e à simples morte de chegar-se ao fim;
desta vergonha inominável grito
a própria vida com que às coisas fito:
Calai-vos, ímpios, que jurais por mim!
Jorge de Sena (As Evidências, 1955)