Ninguém pára para pensar
Este ano comemora-se, pela primeira vez, o 5 de Maio como Dia Internacional da Língua Portuguesa. Associando-se às comemorações com o proselitismo acordístico que há muito o caracteriza, o Jornal de Notícias imprimiu hoje, com grande destaque na primeira página, aquele que se candidata ao título mais absurdo do ano na imprensa cá do rectângulo: "Fisco para venda automática de casas penhoradas".
É daqueles títulos que qualquer indivíduo se sente incapaz de entender à primeira. Ou à segunda. Ou até à terceira leitura. Contrariando assim as mais elementares regras jornalísticas, que recomendam um português correcto, claro, compreensível. Tudo quanto não existe nesta frase indecifrável.
E afinal nem era preciso inventar nada. Bastava repetir o título da notícia da página 12 para a qual remete o da capa: "Fisco trava venda de casas penhoradas". Este sim, é claro e compreensível. E não induz o leitor em erro. Nem trata a língua portuguesa a pontapé.
Mais fácil ainda: bastaria um simples sinal gráfico para desfazer qualquer dúvida. O acento agudo na palavra pára. Que - tal como sucede com o acento circunflexo que distingue o verbo pôr da preposição por - se destina precisamente a desfazer as incertezas da homografia, que contaminam a mensagem jornalística. Como qualquer aprendiz do ofício tem obrigação de saber no momento em que redige um artigo e sobretudo ao elaborar um título.
Eis uma forma original de comemorar o novo Dia Internacional da Língua Portuguesa: dando destaque àquela que é, de todas, talvez a mais estúpida regra contida no chamado "acordo ortográfico". E logo na primeira página - aquela que mais chama a atenção. Às vezes até parece que ninguém pára para pensar.