Neste tempo
Neste tempo o mundo é novo. As pessoas vestem-se de forma diferente umas das outras, já não há gosto nem jeito. Há telefones portáteis que nem botões têm e internet e já quase ninguém conhece as ligações fixas. Há formas de comunicar mas todos falam ao mesmo tempo e ninguém se entende. As cidades grandes absorveram algumas pequenas que são os novos subúrbios. Há água e electricidade, mas a primeira parece que está sempre com má qualidade e a segunda é cara. Há muitas linhas de metropolitano mas nem sabemos por onde ir para chegar mais depressa ( para quê?). Há carradas de autoestradas, mas custam os olhos da cara e nem têm grandes alternativas. A verdade é que tirando umas ilhas de cosmopolitanismo o país continua tão insular como sempre. Os comboios modernizaram-se entre Lisboa e Porto mas desapareceram. Não ram grande coisa, mas ainda se conseguia fazer uma ou outra viagem sem ter que ir ao expresso. Aquelas velhas estações onde o tempo parecia ter parado agora parecem ruínas que o tempo abateu.
Construíram-se muitas fábricas, grandes e pequenas, mas agora há poucas. Os bairros de apartamentos são os mesmos mas ninguém se conhece, nem sei o que faz o meu vizinho do 3º G. Há rádios para todos os gostos mas não sei qual escolher. Quase toda a música é permitida (diz que a Renascença ainda controla) mas nem toda é boa. Parece que somos católicos, mas pouco praticantes; lemos jornais livres de todo o mundo mas nem sabemos em que notícias confiar e vamos recebendo informação completamente em bruto, sem filtros de qualquer espécie. Os discos são objectos ainda mais valorizados que antes por quem deles gosta e o seu suposto carrasco está quase desaparecido. Os computadores vieram substituir as máquinas de escrever e aumentaram a eficiência, mas há quem suspire pelo matraquear. As impressoras e os computadores transformaram todos em potenciais autores de literatura e música. As estantes de livros transformaram-se em estantes de bibelôts desorganizados trazidos pelos almigos quando visitam outras partes exóticas do mundo. Os livros resumem-se a meia dúzia de aparelhitos. A única enciclopédia que parece interessar pode ser lida no telefone e os vendedores de enciclopédias, se os houvesse, receberiam pouco mais que um sorriso complacente.
Neste tempo o país continua de coração cinzento, tal como muitas fardas, mas os carros oficiais preferem o preto. Sotainas são olhadas de soslaio e o preto e branco é do domínio dos pseudo-intelectuais. Muita gente emigra e regressa no verão, para recuperarem o falar da meninice. Continuam a trazr mulheres loiras mas agora dizem que aqui é que é bom, que não há sítio como a terrinha com o seu sol e praia e café na esplanada. Por aqui ouve-se ainda algum fado e vê-se muito futebol, mesmo que não seja daqui. Respira-se a melancolia de um mundo que teve sempre os dias contados e suspira-se pelo mesmo que os nossos pais e avós suspiraram, aquele que chegaria na sebastiânica manhã. De África já não vem guerra, só a esperança de dinheiro daqueles que tendo sido servidores almejam ser mestres. De sexo e política fala-se demais. Por vezes parece que não se fala de outra coisa, misturando as duas. Este é um país de cidades mal feitas e habitadas pela nostalgia de cidades pequenas e aldeias perfeitas, todas lindas e parecidas umas com as outras, invariavelmente banhadas pelo sol e com pessoas afáveis e alegres. É também o país que sonha ser outro, com alamedas ladejadas por árvores verdes, carros novos, lojas luxuosas, monumentos antigos em estado impecável, pessoas cosmopolitas, conservadoras mas liberais, simpáticas e afáveis mas reservadas, cosmopolitas mas nada intrometidas, de restaurantes modernos a servir comidas tradicionais, de tabernas escuras banhadas pelo fado e com picapaus cheios de mostarda devidamente controlados pela ASAE.
Nota: este post não é qualquer crítica ao do Luís. Antes é inspirado por ele e serve como pobre homenagem à beleza do que se pode ler ali abaixo.