Nem como se lê nem como se diz
Certos defensores do "acordo ortográfico", inimigos confessos da etimologia, afirmam que uma língua deve ser escrita «como se lê». Isto é puro disparate: se a escrita antecede a leitura, como é que a norma ortográfica pode estar condicionada por algo que lhe sucede em vez de a preceder?
Outros afirmam que uma língua deve ser escrita «como se diz», pretendendo subordinar a ortografia à fonética. «A língua tem factores de carácter histórico que não podem ser desconsiderados», objectou o historiador brasileiro Jaime Pinsky, pronunciando-se sobre o tema num debate ontem realizado em São Paulo, no âmbito da 23ª Bienal Internacional do Livro.
Está cheio de razão: o primado da fonética anula o espírito normativo que deve conformar toda a convenção ortográfica, instituindo uma escrita à la carte. Se em Lisboa, por exemplo, não falta quem diga mêmo em vez de mesmo, tar em vez de estar ou joálho em vez de joelho, escreva-se assim. Se em Braga se diz barrer em vez de varrer, escreva-se assim. Se em Beja se diz pinhêro em vez de pinheiro, escreva-se assim.
É uma lógica que não aguenta dois segundos de análise. Nem dois segundos de discussão.