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Delito de Opinião

Navegar é preciso

Pedro Correia, 16.06.16

 

Filho e neto de emigrantes, com familiares espalhados por quatro continentes, aos 25 anos eu próprio emigrei. Tinha emprego em Portugal, tinha aquilo a que hoje se chama uma "carreira" por cá. Mesmo assim, emigrei. Passei dez anos longe do País. Regressei com horizontes mais largos, novos conhecimentos, uma enriquecedora experiência profissional adquirida junto de gente com crenças, culturas e línguas diferentes. Foi uma etapa insubstituível da minha vida que jamais esquecerei. Depois, quando colegas mais jovens confrontados com desafios profissionais além-fronteiras me pediam opinião sobre a opção a tomar, sempre os incentivei a partir também. Alguns confiaram no que lhes disse, nenhum deles lamentou ter feito a mala e demandado outras paragens. A vocação universalista dos portugueses confirma-se nesta constante procura de novos horizontes: somos capazes de edificar o nosso lar em qualquer recanto do mundo.

Por tudo isto, venho acompanhando com perplexidade o debate em curso sobre o novo ciclo de emigração eventualmente aberto aos portugueses. Descendentes não dos que partiram mas dos que ficaram, muitos dos que agora se insurgem contra esta perspectiva eram os mesmos que há meia dúzia de anos recomendavam que Portugal devia receber de braços abertos imigrantes oriundos das mais diversas origens, sugerindo até que esse fluxo migratório permitiria salvaguardar a segurança social pública nacional. Alguns deles foram assistindo nos últimos anos sem um esgar de espanto à contínua partida de compatriotas para Angola, onde passaram a residir mais de 150 mil portugueses. São os mesmos que só agora lamentam o facto de haver jovens prontos a trabalhar a milhares de quilómetros do habitual local de residência de pais e avós. Não entendo a contradição: por que motivo havemos de saudar a imigração e chorar a emigração?

Faz-me impressão esta visão paroquialista do mundo contemporâneo que pretende ver cada povo arrumado no seu reduto. António Costa, por exemplo, anda a ser muito criticado por ter apontado França como possível destino de professores portugueses. Como sucedeu a Passos Coelho antes dele. Esquecem tais críticos que vários países são o que são também porque noutras épocas, já recuadas, houve outros portugueses que lá chegaram - quando ainda nem países eram. Basta pensar no Brasil.

Nada mais óbvio: os países lusófonos e os nossos parceiros comunitários, tal como nós inseridos no Espaço Schengen, são um destino natural para qualquer cidadão deste vasto espaço cultural e afectivo alicerçado no idioma que nos é comum ou na cidadania europeia que nos irmana a 27 Estados. Porque haveria isso de ser motivo de controvérsia pública?

Situar as questões no seu contexto é um dos requisitos básicos para um debate político civilizado e construtivo. O resto é ruído.

11 comentários

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    Pedro Correia 16.06.2016

    Falar em "sobrevivência" num país da União Europeia é banalizar uma palavra que deve ser usada com toda a precaução.
    Questões de sobrevivência colocam-se aos países com rendimento médio 'per capita' inferior a dois dólares diários (Portugal tem 20 mil dólares).
    Há muitos, infelizmente.

    Indico vinte:
    Sudão do Sul
    Malaui
    Burundi
    República Centro-Africana
    Madagáscar
    Níger
    Moçambique
    Gâmbia
    Libéria
    República "Democrática" do Congo
    República da Guiné
    Afeganistão
    Togo
    Uganda
    Guiné-Bissau
    Serra Leoa
    Burquina Fasso
    Tajiquistão
    Ruanda
    Comores
    Fonte: http://www.statista.com/statistics/256547/the-20-countries-with-the-lowest-gdp-per-capita/

    Como se verifica, nenhum deles pertence à UE. Talvez por isso quem luta pela sobrevivência faça tudo para rumar ao espaço onde Portugal se insere, não para fugir de cá.
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    ariam 16.06.2016

    Exatamente, querem vir desses países todos, para a UE e, como mais acima lhe falei dos Turcos, que também querem circular livremente na UE, estamos a falar de um país com uma população total de 76.667.864 pessoas (provavelmente mais porque o censos é de 2013). A Turquia é um estado secular, sem religião oficial; a constituição consagra a liberdade religiosa e de consciência Mas, O Islão é a religião dominante no país em número de seguidores — 96,1% da população é muçulmana "praticante".

    Como quem quer vir, de muitos dos países que referiu, será maioritariamente praticante do Islão, sei bem, quem acabará por querer fugir daqui para fora ou não sabe o que acontece aos cristãos ou, aos que não se queiram converter ao islão, quando a quota passar os 50%? Sabe que na UE, os europeus não podem casar com 2 mulheres, mas os muçulmanos têm permissão de ter até 4, todas guardadinhas em casa, no seu papel de ter muitos filhos e receber da segurança social que os europeus descontam. Acaba por beneficiar quem? Uma boa desculpa para depois dizer que não há mais dinheiro e entrarem as Corporações. Aqui, presumo que a reação dos muçulmanos não vá ser muito boa...
    A quem convirá criar este caos na UE ? e para quê?

    Não está mesmo a perceber que não há só invasões territoriais com armas, basta 50% mais 1 para se mudarem as leis de um território. Francamente, há discursos no Parlamento alemão que até dizem quanto tempo falta para os alemães deixarem de ser maioria e, parece que só alguns ouvem o que se passa.
    Suécia (e não só), onde já há cidades onde os naturais estão em minoria e já nem se atrevem a circular em determinados Bairros (território já conquistado). Mas anda tudo a dormir ou a fingir que não vê?

    Acordar até vão mas, tarde demais, provavelmente no meio do pesadelo e, no entretanto, o Costa sempre sorridente, deve estar à espera de, depois, poder seguir a sua carreira, como um Durão Barroso ou um António Guterres... algo que lhe encha as medidas e os seus grandes desejos políticos, mostrados desde a sua infância (esta de política na infância, saiu num jornal indiano, quando foi eleito 1º Ministro e, sem ganhar eleições).
    Mas pronto... por enquanto, quem quiser, ainda pode continuar a enfiar a cabeça na areia... e, eu, nem me devia preocupar porque, os mais velhos, talvez, ainda escapem ao pesadelo, com sorte... morrem antes. Só que não consigo deixar de pensar nos filhos e netos.
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    campus 17.06.2016

    Bem pode gritar que o rei vai nu, está tudo anestesiado...
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    Pedro Correia 17.06.2016

    A Turquia não é - nem será - membro da União Europeia. Cerca de 80 milhões de turcos a circularem livremente pelo espaço comunitário, em vez de "acelerarem" a integração europeia só acelerariam a implosão da Europa.
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    AntónioF 17.06.2016

    Caro Pedro,
    permita-me que responda somente a este seu comentário sobre a Turquia e não ao texto que o origina, com uma frase de Churchill, presumo ser ele o autor, e mal estão os europeus em não a entenderem: «Constantinopla, é para os europeus, a porta da Ásia»
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    Pedro Correia 18.06.2016

    É bem verdade, como hoje se nota cada vez mais. Já com Santa Sofia - que tinha sido transformada em museu por Ataturk - novamente transformada em mesquita, com rezas diárias, o que está a provocar sonoros protestos na Grécia. Os gregos bem conhecem, melhor do que qualquer outro povo europeu, as tentações hegemónicas e expansionistas dos turcos.
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    AntónioF 20.06.2016

    Caro Pedro,
    desculpe novamente em falar neste seu post sobre um assunto secundário que foi trazido a debate (este secundário, como entenderá, é na hierarquia dos assuntos aqui debatidos e não na importância do mesmo).
    Este desvio e consequente reforço do peso islamita na Turquia, preocupante aos nossos olhos ocidentais e com os valores cristãos, não deixa de ser entendível em duas perspectivas: - a primeira e quiçá a mais importante, é o desânimo por ainda não terem entrado na UE - lembro que as negociações remontam à década '60; a segunda, é o reforço, como de resto em toda a Europa, dos valores da direita conservadora - que na Turquia a face é o Erdogan.

    P.S.: Isto por certo poderia ser objecto de um texto seu para que este assunto pudesse aqui, neste seu espaço, ser debatido com uma maior profundidade. Fica o desafio!

    Trago, como podendo servir de base, um texto de Bernardo Pires de Lima:
    «É curioso que as instâncias comunitárias reiterem periodicamente os bons ventos que passam pelo processo de adesão da Turquia, quando alguns dos seus mais importantes membros defendem constantemente o contrário. Há uma narrativa institucional em cima de uma outra, nacional e eleitoral, que a fragiliza. A França e a Alemanha estão evidentemente à cabeça desta última. Simplificadamente, é este o retrato dos pontos de vista europeus: façamos de conta que sim, que a Turquia vai aderir, sabendo que isso provavelmente nunca acontecerá. No mínimo, é pouco sério.
    Desde que Davutoglu assumiu os Negócios Estrangeiros, as birras europeias tornaram-se insuportáveis. Ancara percebeu que o seu dinamismo económico contrastava com a crise europeia, acelerando o retorno das comunidades emigrantes, e intensificou o arco de acção. A adesão à UE continua a ser importante mas deixou de esgotar o seu projecto internacional. A par disso, a religião recentrou-se com sucesso no debate político e na relação com os militares. E se a tensão com Israel ajudou, aquilo a que estamos a assistir pelo Magrebe e Médio Oriente projecta o «modelo turco» como o mais apelativo. Não é coincidência ser hoje a Turquia quem desperta maior fascínio na região, pela pujança económica, modelo político e autonomia estratégica. Isto não significa que a «matriz turca» vingue nestas sociedades, mas parece convincente que a Turquia se projecta como potência atractiva sem rival à altura.
    Seria, por isso, do interesse geopolítico europeu que a Turquia se tornasse um dos seus actores maiores: redimensionava a política mediterrânica da Europa, a sua acção no Médio Oriente, e a sua eficácia no Cáspio e na Ásia Central. Deixar a Turquia à porta acentuará uma Europa fragilizada, com visão de curto prazo e refém dos fantasmas habituais. Está na altura de os espantar.»

    LIMA, Bernardo Pires de - A Síria em pedaços. 1ª ed. Lisboa : Tinta-da-china, 2015. pp. 54, 55
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    Pedro Correia 20.06.2016

    Meu caro, esse livro do Bernardo Pires de Lima é muito recomendável. Com base em crónicas publicadas no DN - várias das quais tive o privilégio de ler em primeira mão.
    A Turquia nunca poderia ter entrado na UE - apesar do que alguns, com destaque para Durão Barroso, andaram a proclamar durante anos.
    Por motivos geográficos, por motivos demográficos (são 80 milhões), por motivos relacionados com os direitos humanos e a legalidade internacional.
    Basta olhar para o mapa. Menos de 5% do território turco integra o continente europeu. Incluir a Turquia na UE seria um inevitável precedente para incluir a Rússia, por maioria de razão. Ora uma UE com uma Rússia e uma Turquia asfixiaria ainda mais os pequenos e médios países, hoje já quase só com uma expressão residual nos circuitos de decisão europeus.

    Acrescem, no caso turco, sérias dificuldades de outra ordem:
    - O desrespeito claro pelos direitos de minorias étnicas, designadamente os turcos;
    - O desrespeito pelas minorias religiosas, designadamente os cristãos ortodoxos gregos na Trácia.
    - O desrespeito pela legalidade internacional desde 1974 com o reiterado apoio à auto-proclamada república do Norte do Chipre, que apenas Ancara reconhece.

    O 'flirt' com o fundamentalismo islâmico que Erdogan tem cultivado nos últimos anos, associado à repressão das liberdades de imprensa, de manifestação e de reunião, permite hoje concluir como foi sábia a decisão de alguns dirigentes europeus, com destaque para o Presidente francês Nicolas Sarkozy, de impedirem a adesão turca à UE.
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    AntónioF 20.06.2016

    Pois caro Pedro, permita-me que discorde e que remeta para o meu primeiro comentário: uma União Europeia sem a Turquia é uma Europa coxa...
    Sim existem muitas arestas na Turquia para limar... imensas digo eu - e parece que com o tempo ainda vão sendo mais, como a que reporta.
    Compete, contudo, aos líderes europeus terem a sabedoria (rara nos dias que correm) para compreender a importância deste país no contexto geo-politico e terem a clarividência de levar os políticos turcos, salvaguardando a identidade própria deste povo integrá-lo no seio da UE.
    Existem reticências de alguns países? Sim, muitas direi eu!
    O Chipre? Sim é um deles.
    Deveria ter este país entrado sem a sua situação resolvida?
    Não creio que não.

    Provavelmente desconhecerá, mas o rei de Portugal - Afonso V - creio que foi o único rei europeu que quando foi a conquista de Constantinopla, respondeu afirmativamente ao chamamento do papa para organizar uma cruzada com a finalidade de reconquistar essa cidade. Não creio que seja este o espírito que deva presidir à nossa visão sobre este país!
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    Pedro Correia 20.06.2016

    Meu caro, um regime autocrático e xenófobo, que não respeita minorias étnicas, religiosas e sexuais, ameça liberdades básicas (como a liberdade de imprensa), viola a legalidade internacional em Chipre e adultera as bases laicas da república instaurada em 1922 por Ataturk, não pode - de forma alguma - ser premiado com a adesão à UE.
    A entrada da Turquia proto-ditatorial, com os seus 80 milhões de habitantes com direito a livre acesso em todo o espaço comunitário, tornaria coxa - ela sim - a União Europeia. E tendo a Turquia, com apenas de 3% do seu território no continente europeu, entrada na UE, porque não franqueá-lo também à Rússia? Autocrata por autocrata, Putin pede meças a Erdogan.
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