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Delito de Opinião

Na Sopa - 3 Todos à fava

Maria Dulce Fernandes, 25.02.21

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Durante muitos anos, associei as favas à ‘Ti Frágil, vizinha dos meus avós em Belém, mais conhecida no bairro como a mulher da fava-rica. Não fazia jus ao nome, a ‘Ti Frágil, bastava olhar para a enorme panela cheia de fava-rica que punha à cabeça sobre a rodilha e, perfeitamente equilibrada, seguia com ela por aí fora com o seu pregão, antes do sol nascer, até se lhe acabar o preparado.

A fava-rica que a minha mãe fazia, segundo a receita da ‘Ti Frágil, era confeccionada com fava seca que se punha de molho em água abundante durante mais de 24 horas. Era seguidamente limpa dos olhos e carneiros quase sempre presentes na fava seca, e levada a cozer em água e sal até começar a criar um caldo com as favas meio desfeitas. À parte, coze-se alho picado em azeite, sem deixar queimar. Junta-se depois ao caldo de favas e deixa-se refogar. Junta-se uma colher de sopa de vinagre e serve-se bem quente, de preferência com pão rijo. A minha mãe nunca se conformou com a sua fava-rica. Dizia que ficava a milhas da da ‘Ti Frágil, mas eu gostava bastante; foi única que provei.

Nem sempre fui apreciadora de favas. Aliás, durante toda a minha juventude devo ter sido a maior odiadora de favas da família. Qualquer receita de favas bem podia aguardar até vir a mulher da fava-rica, no que me dizia respeito, mas foi um gosto que fui adquirindo com o tempo e não troco umas belas favas guisadas (com coentros, entrecosto, toucinho e enchidos), ou salteadas como acompanhamento ou o sublime puré de favas, por um almoço de sushi, por exemplo (bom, a verdade é que não troco seja o que for por um almoço de sushi).

A primeira vez que fui à fava, foi na quinta da Barra Cheia. Devia ser Maio e eu devia ter onze ou doze anos. Apanhámos umas poucas de sacas de serapilheira cheiinhas de vagens de fava, que dividimos pelo consumo imediato, pelo congelador e pela secagem. A minha mãe gostava das favas grandes e rijas para puré. Tirava-lhes a casca, os olhos e a pele e cozia-as com duas cebolas, cinco dentes de alho, um raminho de coentros, sal e azeite. Servia-as com pedaços de pão torrado, os antepassados dos croutons. Não mudei muito a receita; acrescento uma cenoura, um alho francês e uma curgete apenas quando as favas são tenras para puré e passo todo o puré triturado pelo crivo para limpar as peles que depois de moídas se tornam muito desagradáveis.

As favas, compro-as na vagem. Nem sempre as descasco de imediato. Espero a companhia da minha filha, que tem saudades de se sentar com a avó a descascar favas e a ver televisão. A minha neta junta-se a nós e o meu neto ajuda a desestabilizar tudo, com riso qb à mistura.

 Há tradições que são para manter.

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