Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Na sopa

Maria Dulce Fernandes, 18.02.21

22022370_VI6gj.jpeg

 

Há uns anos, fartei-me de sopas de legumes verdes. Sopas verdes fazem bem a tudo, fortificam o sistema imunitário e facilitam em todos os trânsitos do organismo, mas sabem invariavelmente ao mesmo e para mim isso do verde apenas adquiri pela osmose do casamento.

Uma sopinha sabe sempre pela vida, principalmente no Inverno, depois de um dia cansativo e gelado.

Andei uns tempos a ruminar a ideia e resolvi recrear as sopinhas da minha avó tal como a minha mãe aprendeu e me ensinou.

Parece coisa simples, mas, como todos os projectos em que me empenho, ou faço com rigor ou não faço de todo.

Uma sopa de galinha com ovo, por exemplo, tem que ter galinha-galinha.

Junto à Igreja da Memória, havia uma mercearia de géneros e vinhos, o “Torrado", que tinha uma quinta urbana nas traseiras onde os proprietários tinham uma criação de animais de capoeira que vendiam para consumo particular, juntamente com ovos, couves tenrinhas para caldo verde, favas na vagem e feijão de descascar. Completamente ilícito? Pois claro que sim, mas a cabidela com aquelas galinhas era uma tentação daquelas que nos impelem a quebrar todas as leis.

Com o crescimento em massa das minilojas de hipermercado de bairro, o pequeno comércio tem cada vez mais tendência a desaparecer. Creio que o Torrado ainda existe, talvez como ponto de referência no bairro e lugar de recreação e encontro dos moradores mais velhos da Memória; não tem qualquer poder competitivo, rodeado por todos os lados de médias superfícies das grandes marcas do comércio a retalho.

Só podemos contar com os grandes mercados nem sempre acessíveis ou com a oferta online, que curiosamente se tem revelado bastante variada e de boa qualidade. Nem sempre se acerta à primeira, mas em encontrando é para manter.

É nesta procura da qualidade no sabor que dou por mim a ver os noticiários com uma tigela grande no colo e um saco grande de feijão com casca, favas na vagem ou ervilhas, que vou descascando com maior ou menor velocidade ou agressividade, consoante se vão desenrolando as informações noticiadas na televisão.

O resultado tem sido sempre fantástico, quer no puré de feijão com cenoura e couve, na sopa de galinha com ovo, no puré de favas com coentros, na sopa de cozido com chambão, no caldo verde com "tora" e em muitas outras, conforme me vêm chegando as ideias e as saudades dos sabores de outrora.

5 comentários

  • E faz muito bem "sopar" com o que tem à mão Bea.
    Galinha-galinha é mesmo um luxo a que, aqui em Lisboa, só chegam aquele que conhecem alguém que conhece alguém. Lembro-me de passar algumas horas a depenar galinhas com a minha mãe que as tinha ido buscar ao Torrado e tinha levado um tupperware com vinagre para recolher o sangue.
  • Sem imagem de perfil

    balio 18.02.2021

    Galinha-galinha é mesmo um luxo

    Compra-se facilmente galinha numa das muitas lojas halal (de carne para muçulmanos) que há na zona do Martim Moniz. As gentes asiáticas aparentemente preferem comer galinha a frango.

    Em geral, da minha experiência (já de há alguns anos), a carne vendida nessas lojas é de melhor qualidade que a vendida nos talhos normais, porque os muçulmanos se abastecem diretamente junto de produtores portugueses, e também porque a forma que eles têm de matar o animal faz com que a carne não fique ensopada em sangue.
  • Seguramente não comeriam um belo prato de cabidela, balio.
  • Sem imagem de perfil

    balio 18.02.2021

    Nas religiões islâmica e judaica (que têm basicamente os mesmos preceitos), é proibido comer sangue. Só carne, bem seca de sangue. O animal tem que ser morto e deixado a escorrer até todo o sangue ter saído.
    A cabidela, tal como a carne de porco (e de coelho), é coisa de cristãos.
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.