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Delito de Opinião

Na morte de Jô Soares

Pedro Correia, 08.08.22

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Quando morre um actor que conhecemos há longos anos, e com quem partilhámos lágrimas e sorrisos, é como se nos desaparecesse uma pessoa de família.

Senti isso na sexta-feira, ao saber da notícia do desaparecimento de Jô Soares. Nesta era das mil graçolas por minuto à solta nas redes sociais, em que o humor se confunde com o sarcasmo mais grosseiro  e se vai perdendo a ironia em transição acelerada, regressei ao tempo em que o grande comediante brasileiro nos fazia rir com a sua graça natural, os seus trocadilhos inteligentes, a sua malícia contida nas entrelinhas. Porque era não apenas actor, mas autor - também literário, e de sucesso, como se comprovou.

Mas o que mais guardo na memória são dois dos seus programas televisivos de início da carreira: O Planeta dos HomensViva o Gordo. Com quadros inspirados na actualidade política, em tempo de ditadura em Brasília, sabendo fintar a censura com inteligência e argúcia. Em quadros que geraram frases depois incorporadas na linguagem comum não apenas no Brasil, mas também em Portugal.

Lembro algumas: «Não me comprometa»; «Tem pai que é cego...»; «Estão mexendo no meu bolso!»

 

Eis outras frases dele, já de fase posterior, quando acumulava a participação em programas televisivos em nome próprio com a escrita de livros sem perder as características que o celebrizaram:

«A comissão faz o ladrão.»

«No Brasil, quando o feriado é religioso, até ateu comemora.»

«Gordo, quando está fazendo dieta, sempre faz a barba antes de se pesar.»

«Em uma coisa os bêbados e os geógrafos têm razão: a Terra gira.»

«O material escolar mais barato da nossa praça é o professor.»

«Era tão azarado que, se quisesse achar uma agulha no palheiro, era só sentar-se nele.»

«Era um sujeito realmente distraído: na hora de dormir, beijou o relógio, deu corda no gato e enxotou a mulher pela janela.»

 

Jô era mais que um intérprete ou humorista: era uma genial criação de si próprio. Soube superar eventuais problemas de imagem, transformando defeito em virtude e assim se tornou ídolo de multidões. Sem ceder à facilidade. Muito menos à ordinarice própria dos ineptos, infelizmente hoje tão em voga.

Com ele ausente, ficamos um pouco mais tristes a partir de agora.

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