Na morte de Jô Soares
Quando morre um actor que conhecemos há longos anos, e com quem partilhámos lágrimas e sorrisos, é como se nos desaparecesse uma pessoa de família.
Senti isso na sexta-feira, ao saber da notícia do desaparecimento de Jô Soares. Nesta era das mil graçolas por minuto à solta nas redes sociais, em que o humor se confunde com o sarcasmo mais grosseiro e se vai perdendo a ironia em transição acelerada, regressei ao tempo em que o grande comediante brasileiro nos fazia rir com a sua graça natural, os seus trocadilhos inteligentes, a sua malícia contida nas entrelinhas. Porque era não apenas actor, mas autor - também literário, e de sucesso, como se comprovou.
Mas o que mais guardo na memória são dois dos seus programas televisivos de início da carreira: O Planeta dos Homens e Viva o Gordo. Com quadros inspirados na actualidade política, em tempo de ditadura em Brasília, sabendo fintar a censura com inteligência e argúcia. Em quadros que geraram frases depois incorporadas na linguagem comum não apenas no Brasil, mas também em Portugal.
Lembro algumas: «Não me comprometa»; «Tem pai que é cego...»; «Estão mexendo no meu bolso!»
Eis outras frases dele, já de fase posterior, quando acumulava a participação em programas televisivos em nome próprio com a escrita de livros sem perder as características que o celebrizaram:
«A comissão faz o ladrão.»
«No Brasil, quando o feriado é religioso, até ateu comemora.»
«Gordo, quando está fazendo dieta, sempre faz a barba antes de se pesar.»
«Em uma coisa os bêbados e os geógrafos têm razão: a Terra gira.»
«O material escolar mais barato da nossa praça é o professor.»
«Era tão azarado que, se quisesse achar uma agulha no palheiro, era só sentar-se nele.»
«Era um sujeito realmente distraído: na hora de dormir, beijou o relógio, deu corda no gato e enxotou a mulher pela janela.»
Jô era mais que um intérprete ou humorista: era uma genial criação de si próprio. Soube superar eventuais problemas de imagem, transformando defeito em virtude e assim se tornou ídolo de multidões. Sem ceder à facilidade. Muito menos à ordinarice própria dos ineptos, infelizmente hoje tão em voga.
Com ele ausente, ficamos um pouco mais tristes a partir de agora.