Muitas dúvidas, algumas certezas
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O início do novo ciclo autárquico, com eleições presidenciais dentro de três meses, confere um novo impulso ao primeiro-ministro Luís Montenegro.
Enquanto líder do maior partido, o presidente do PSD espera ver consolidada a sua liderança, reforçada a influência da sua gente, que voltou a ocupar as maiores autarquias do país, aquelas onde tudo se decide, muito embora em quase todas fique na dependência de terceiros e de acordos à direita e à esquerda para conseguir governar. Tanto em Lisboa como no Porto, como em Setúbal, em Sintra ou em Cascais, para só referir os maiores municípios, nada se afigura fácil.
Depois, convém não esquecer a posição periclitante em que o primeiro-ministro se encontra perante o Ministério Público, devido às diligências, aos inquéritos e às investigações em torno dos fantasmas da famigerada Spinumviva, das férias no Brasil, e do que mais for, entretanto, aparecendo. Com um roupeiro de onde não param de sair traças, deve ser grande neste momento a incomodidade do Procurador-Geral da República, e não custa perceber o porquê sabendo-se de onde partiu a proposta para a sua escolha.
Das conclusões que vierem a ser apresentadas pelo Ministério Público, que se espera não continuem a tardar, deseja-se uma rápida clarificação que afaste de vez todas as dúvidas sobre a conduta de Montenegro. Seria péssimo que se chegasse ao São Martinho com tudo continuando por esclarecer e eleições presidenciais à porta. Percebe-se a popularidade das novelas, isso é inegável, só que há algumas, que por os actores serem medíocres, o enredo de mau gosto e mexerem com a vida das pessoas, e não apenas com a do principal protagonista, não justificam que se tolere a sua continuidade indefinidamente.
Os resultados autárquicos conhecidos ontem à noite transportam consigo, no entanto, algumas consequências que importa referir.
Invariavelmente, muitos virão dizer que as eleições autárquicas não permitem leituras nacionais atenta a sua especificidade local. Outros, pelo contrário, argumentarão que essa natureza não inviabiliza uma extrapolação e análises que englobem o todo nacional. Será difícil dizer que no meio estará a virtude. Os perdedores nunca quererão olhar para os resultados globais, reduzindo-os antes ao nível municipal. Os vencedores não desdenharão fazer outras contas, imaginando as respectivas consequências em futuras eleições legislativas.
Vamos por partes. Todas as análises são possíveis, embora aqui se sublinhe apenas o que por ora se me afigura mais pertinente.
1. Coligações
O elevado número de coligações e de movimentos independentes baralha as análises. Se quanto aos segundos faz sentido reduzi-los a uma dimensão local, mesmo quando apoiados por algumas forças políticas, atento o peso de quem os dirige e que inequivocamente se sobrepõe e ofusca o dos partidos tradicionais, até porque nalguns casos esses eleitos desertaram dos partidos, os resultados obtidos por forças coligadas podem mascarar esses mesmos resultados.
2. Vencedores
2.1 Concorrendo sozinho ou em coligações com diferentes composições, o PSD é o grande vencedor das eleições autárquicas de 2025. A obtenção de um maior número de presidências de câmara e de mandatos e a reconquista da presidência da Associação Nacional de Municípios eram objectivos previamente apontados pelos dirigentes do partido. Se a isto somarmos a liderança dos cinco maiores municípios do país, pese embora as derrotas em Faro e em Viseu, as mais difíceis de digerir, o resultado não deixa de ser lisonjeiro.
2.2 Poderá a muitos não parecer, mas os resultados obtidos pelo PS são bem melhores do que o descalabro da direcção de Pedro Nuno Santos poderia fazer prever. É verdade que o PS não conquistou Lisboa, nem o Porto, mas venceu Bragança (o PS destronou o PSD e passou de 4836 votos, representando 26,98%, para 10.528 votos, que correspondem a 50,31%), Viseu (num concelho que desde 1976 foi sempre governado à direita, os 19.968 votos que davam 38,26% em 2021 são hoje 24.095, equivalendo a 42,28%, e foram suficientes para humilharem Fernando Ruas e o PSD no “cavaquistão”), e Faro (o PS ganha, finalmente, a câmara da capital algarvia, com António Pina, que vindo de Olhão mostrou aos crânios da concelhia local, que há 16 anos perdiam eleições com candidatos medíocres, o que é preciso ter e fazer para conquistar 39,48% dos votos e derrotar uma coligação encabeçada pelo PSD e que apesar de reforçada com o PAN passou de 47,76% e 12.195 votos, em 2021, para uns sofríveis 31,64% e apenas 10059 votos). Globalmente, o PS sozinho arrecadou 1.574.331 votos e 126 presidências de câmara, quando em Maio obtivera um total de 1.442.194 votos. O número poderá parecer curto. Não é se considerarmos o estado comatoso em que José Luís Carneiro recebeu o partido de Pedro Nuno Santos, aliás reflectido nas derrotas de Lisboa e Porto, as quais não lhe poderão ser assacadas.
2.3 Pedro Duarte conseguiu no Porto um resultado que é para todos os efeitos bom. O PSD consegue trocar uns escassos 17.426 votos (17,24 %), em 2021, pela participação nos 42.906 votos da coligação com o CDS-PP e o IL, ou seja, 37,29%, em 2025). Obteve mais votos do que Rui Moreira nas anteriores autárquicas. E o resultado é ainda melhor se comparado com o de Carlos Moedas em Lisboa, sabendo-se que normalmente os recandidatos têm vantagem e que desta vez o candidato do PSD até obteve o apoio do Iniciativa Liberal para se equilibrar no arame. Em todo o caso, nas legislativas de Maio passado, no Porto, o IL obtivera 11.145 votos e a coligação PSD/CDS-PP conseguira 48.563. Apesar da coligação, Pedro Duarte viu fugirem-lhe quase 17 mil votos, o que não lhe retira qualquer mérito na vitória e o aponta como um activo futuro para a liderança do PSD. Enfrentando um peso político do PS no Porto, o espertalhaço e trabalhador Pizarro, Duarte arriscou e ganhou. Tem agora a sua “cadeira de sonho” para mostrar o que vale.
2.4 Para o CDS-PP, olhando-se para os seus últimos resultados a nível nacional, não pode deixar de se considerar meritório o amealhado nestas eleições. Nos concelhos onde concorreu sozinho, o partido manteve igual número de câmaras (6) e apenas perdeu 2 mandatos, passando de 30 para 28. Levando-se em consideração as coligações que integrou, e que por essa via conseguiu mais alguns mandatos, o cômputo final acaba por ser agradável para um partido que há muito vê pairar a sombra da sua extinção.
3. Derrotados
3.1 A maior derrota destas eleições autárquicas vai direitinha para o PCP/PEV/CDU. Este sector continua a regredir eleitoralmente. A CDU perde 7 câmaras, passando de 19 para 12, vê reduzir-se o número de mandatos, de 148 para 93, e comprometeu vitórias eleitorais da esquerda, sendo em grande parte responsável pela renovação da vitória de Moedas em Lisboa ao recusar integrar a coligação que apoiava a candidata do PS na capital. Os 26.769 votos obtidos por João Ferreira teriam dado uma vantagem confortável a Alexandra Leitão e acabado de vez com as pretensões políticas de Moedas. O PCP e seus aliados, salvo algumas ilhas onde continuam instalados, não conseguem inverter a sua tendência para a irrelevância. As derrotas em Serpa e Santiago do Cacém devem-lhe ter doído.
3.2 Nas autarquias onde se apresentou sozinho, o partido de Mariana Leitão apenas conseguiu obter uns míseros 2 mandatos, resultado dos escassos 87.809 votos registados. Muito pouco para quem viu sair Rui Rocha da liderança, agora eleito vereador em Braga, por não ter atingido os objectivos a que em Maio pp. se propunha. O IL vinha das eleições legislativas com mais de 5% e 338.664 votos. Mostrou a sua pequenez ao nível do poder local, embora possa cantar vitória em autarquias onde surgiu a fazer de muleta a outros partidos.
3.3 Sofrível foi o resultado do BE. O partido das manas Mortágua não conseguiu nenhum mandato onde concorreu sozinho. Tudo se resumiu a um total de 30.636 votos e a 0,56%. Embora dissesse que o resultado foi “modesto”, Mariana Mortágua não se conteve e afirmou que o BE “esteve à altura da responsabilidade do momento”. Puro delírio. Se apesar dos resultados serem tão maus a sua líder diz que a estratégia foi a correcta, imaginem o que seria se a estratégia estivesse errada. Um caso perdido de esclerosamento, miopia política e desfasamento da realidade.
3.4 O aparelho do PS foi um dos principais derrotados. Perder mais de duas dezenas de câmaras no actual contexto político e não conseguir vencer em Lisboa, no Porto e em Sintra foi muito mau. Só comparável com as derrotas em anteriores eleições para a câmara de Faro, perdidas para Macário Correia e o seu sucessor, Rogério Bacalhau. Se Alexandra Leitão ainda pode aspirar a outros voos, fica a certeza de que Pizarro fazia melhor em regressar à carreira hospitalar, continuando a ser um cidadão politicamente interveniente, mas abrindo caminho a líderes concelhios menos agarrados às estruturas partidárias, com uma postura menos cacical, algum carisma e outro discurso. Em Sintra, os 5.777 votos que Ana Mendes Godinho conquistou para a coligação que encabeçou, por comparação com o resultado de 2021, foram claramente insuficientes para contrariar os mais de 19 mil votos recuperados pelo PSD e seus parceiros. Não obstante, uma coisa é certa: o mau resultado autárquico do PS em 2025 não foi culpa do actual líder.
4. Ambivalente
O resultado do partido de André Ventura não correspondeu, nem de perto, ao que era por este esperado e muitos vaticinavam em função do desempenho verificado nas eleições legislativas de 14 de Maio e do que algumas sondagens revelavam. O Chega não conquistou seis dezenas de câmaras, nem catorze, ficando por três presidências. Risível. Para um partido que tem 60 mandatos parlamentares, o número envergonha qualquer dirigente com a noção do ridículo. É certo que conseguiu 137 mandatos e isso dar-lhe-á uma voz nas autarquias, o que não lhe garante, a avaliar por anteriores experiências, bons desempenhos futuros. O seu pessoal político já mostrou no passado a sua impreparação para tarefas mais exigentes do que o simples arruaceirismo parlamentar, embora possa sempre aparecer uma ou outra surpresa. As oscilações nas votações do Chega não permitem tirar quaisquer conclusões quanto ao futuro. Se nas legislativas, há menos de seis meses, obtivera 1.437.881 votos, que lhe deram 22,73% e 60 deputados, ontem os eleitos do Chega ficaram-se por um total de 654.011 votos e uma percentagem de 11,86%. Muito pouco para quem reclamava uma implantação ao nível local e tem aspirações a governar Portugal. Com apenas três câmaras não será fácil lá chegar. Esperemos pelo teste das presidenciais para se perceber onde andam os anteriores votantes do Chega.

