Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Mr. Lamb, I presume

Pedro Correia, 04.06.20

VCA.png

 

Se há político que goza de "boa imprensa" em Portugal é o presidente da Região Autónoma dos Açores. Caso assim não fosse, Vasco Cordeiro teria recebido um ensurdecedor coro de críticas. Por ter praticado o acto político mais condenável desde que vivemos sob o signo da pandemia. Refiro-me à decisão de forçar todos os passageiros desembarcados no arquipélago a duas semanas de encerramento compulsivo num quarto de hotel escolhido pelo Governo regional.

Privação ilegal de liberdade, ferindo de modo chocante a Constituição da República. Ainda por cima discriminando cidadãos nacionais, pois a partir de 8 de Março o Executivo passou a financiar a quarentena apenas quando aplicada aos residentes habituais na Região. Decisão felizmente revertida graças à intervenção de uma juíza em funções no Tribunal Judicial de Ponta Delgada, que deferiu um pedido de habeas corpus interposto pelo advogado de um desses cidadãos.

Corajosa magistrada, corajoso advogado, corajoso cidadão. Nenhum se vergou à prepotência de Cordeiro.

 

"Uma vitória da cidadania", lhe chamei aqui. Em contraste com o pesado silêncio do Presidente da República, tão loquaz noutras ocasiões, ou do seu representante nos Açores. E contrastando igualmente com o expectável silêncio do primeiro-ministro, correligionário do líder açoriano, e até dos próprios partidos da oposição - o que, tratando-se do PSD, também não surpreende.

No seu blogue, o constitucionalista Vital Moreira, insuspeito de antipatias políticas face ao líder socialista dos Açores, deixou claro o seu pensamento quanto à quarentena obrigatória num quarto de hotel transformado em cela prisional: «Tal medida, tomada ao abrigo da lei regional de protecção civil, traduz-se numa violação grosseira da liberdade pessoal, pelo que só poderia ser excepcionalmente tomada em regime de estado de sítio ou de estado de emergência, que só pode se declarado pelo PR, com aprovação da AR.»

 

Apesar disto, Vasco Cordeiro manteve a boa aura na generalidade da imprensa: a maioria dos órgãos de informação nem se referiu ao assunto. Na mesma linha, nem parecem estranhar que o líder açoriano deturpe com aparente indiferença e talvez até algum orgulho o nome da própria Região a que preside, trocando Açores por "Azores" no endereço electrónico oficial do Executivo. Como se governasse Porto Rico ou a Samoa Americana, em vez de uma parcela inalienável do Estado português.

Caso para alguém o interpelar nestes termos, quando o vir: «Mr. Lamb, I presume.» Ele certamente reagirá com uma sonora gargalhada. Isto anda tudo ligado, como dizia o outro.

36 comentários

Comentar post