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Delito de Opinião

Momento Marcelo

Sérgio de Almeida Correia, 15.10.22

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Os helicópteros Kamov são há muito uma fonte de preocupações, de problemas e de despesas para os contribuintes portugueses. Que me lembre, desde 2006 que os ditos são notícia. Da falta de licenças à falta de peças, da ausência de manutenção à dificuldade de encontrar mecânicos e à falta de certificação, tem sido todo um folhetim. Os partidos da oposição, designadamente o PSD, têm questionado o Governo sobre os helicópteros, apesar de um deles estar inoperacional desde 2012, quando estava no poder com o CDS-PP.

Eu confesso que de cada vez que ouvia falar neles era porque havia problemas. Mas eis que surge a "oportunidade" de nos "livrarmos" dos aparelhos e dar-lhes alguma utilidade, colocando-os ao serviço das forças ucranianas que combatem o invasor russo.

A ministra da Defesa esclareceu que o Estado português, que os tem inoperacionais e não tem meios para os colocar a voar, que é para o que servem, iria doá-los à Ucrânia. Já o tinha dito em Bruxelas, reafirmou-o na terça-feira passada na comissão parlamentar de Defesa. A imprensa noticiou-o

Hoje, ao ler no Público as declarações de João Almeida, um antigo secretário de Estado da Administração Interna, fiquei sem perceber se ele desejava que os helicópteros cá continuassem. Das suas palavras depreendo que ficou zangado, no mínimo agastado, e que não queria que as aeronaves tivessem sido ofertadas à Ucrânia.

Desconheço quais sejam as qualificações de João Almeida, ou se conversou com algum major-general comentador da CNN, para dizer que mesmo que as aeronaves estivessem aptas para operar "não são adequadas às necessidades existentes"; que "não se percebe que utilidade poderão ter num cenário de guerra como o que existe na Ucrânia", e que "só se pode considerar o negócio como ruinoso". De igual modo, também não sei se da Ucrânia lhe disseram não haver peças nem mecânicos para aqueles helicópteros, pelo que fiquei com muitas dúvidas, e ainda mais questões, depois de ler a sua entrevista. 

Que o antigo governante do CDS-PP sabe de quase tudo, como aliás quase todos os antigos governantes, é normal. Os portugueses já tinham notícia e disso não tenho dúvidas.

Das questões da energia às finanças públicas, do ambiente ao poder local, sem esquecer o ordenamento do território, a educação, a ciência, a cultura, o trabalho, os assuntos sociais, a ética, a banca, a juventude, e, imagine-se, até o futebol e a arbitragem, que é coisa de quase ninguém fala em Portugal, sobre tudo isso João Almeida tem perorado. Sempre com o mesmo à-vontade, note-se.

Mas posto que na entrevista não esclareceu, pergunto se João Almeida preferia que os helicópteros continuassem em Portugal? Será que está convencido de que ninguém do governo português perguntou aos ucranianos se aceitariam os helicópteros? E que da Ucrânia disseram que não os queriam, por estarem obsoletos, e ainda assim Portugal decidiu enviá-los? Queria João Almeida que continuássemos a suportar os custos da sua guarda e manutenção? Vendê-los num leilão? Colocá-los em exposição no Estádio do Restelo?

Não sei qual destas últimas alternativas seria a mais conveniente para o Estado português, embora tivesse lido que o Estado espanhol ainda agora ofereceu à Ucrânia quatro sistemas de defesa anti-aérea de um tempo em que João Almeida ainda não era nascido. Detalhes. Que as forças russas utilizam helicópteros desse fabricante também é verdade, presumindo, que do assunto nada percebo, que sejam mais recentes e que os ucranianos terão meios para os fazerem voltar aos céus. 

No lugar do entrevistado, tendo sido membro de um governo da República (não conto o segundo porque só esteve onze dias em funções por circunstâncias supervenientes, não previstas nem previsíveis) que não resolveu os problemas dos Kamov, usaria de alguma contenção ao falar, já nem digo das outras coisas em que é uma sumidade, mas, pelo menos, de helicópteros. 

Espero que ele não me leve a mal; só de que uma pessoa com o seu currículo, que ainda hoje não sabe como perdeu as eleições no CDS-PP para o tal "Chicão", ninguém espera que venha nesta altura falar de helicópteros, de "cromos para a troca" do Mundial de Futebol ou de pistas de comboios a vapor.

Não lhe fica bem — nem a ele nem a ninguém — seguir os exemplos que nos chegam do Palácio de Belém de cada vez que ali se tem notícia de que vai um microfone a descer, sabe-se lá como, a Calçada da Ajuda. Chega de alvoroço.

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