Miguel Macedo
Foi injustiçado. Foi vítima de uma acusação infame que liquidou a sua carreira política. Foi alvo de uma investigação sem provas e de uma acusação irresponsável que o destruiu por dentro - e talvez lhe tenha deteriorado a saúde a um ponto que até ele mal pôde avaliar. Tinha sido secretário de Estado, deputado, líder parlamentar. Era um competente ministro da Administração Interna.
Talvez pudesse ter sido presidente do PSD - o seu partido de sempre. Nunca saberemos. Acusado de "prevaricação e tráfico de influências", abandonou de imediato funções públicas e remeteu-se à vida privada. Aconteceu em 2014. Se ocorresse uns anos depois, teria visto provavelmente o seu retrato exposto em obscenos cartazes de propaganda política chamando-lhe "corrupto" - alvo da demagogia mais rasteira para ajustar contas com o regime democrático.
Não se escondeu, não virou a cara, não optou pela litigância de má-fé para estender prazos rumo à prescrição.
Negou todas as acusações, comportando-se com irrepreensível dignidade.
Seis anos depois, ao ser ilibado na sede própria, o tribunal, a notícia não fez manchete: foi varrida para discretos rodapés. Os "justiceiros" da imprensa estavam de folga ou assobiaram para o lado nesse dia.
Recebeu-a com alegria, mas também com amargura: a tardia sentença judicial absolveu-o de qualquer suspeita, mas a sua morte cívica fora decretada muito antes. Mesmo assim, ninguém lhe ouviu uma palavra de azedume. Nem lhe passou pela cabeça "processar o Estado" ou pôr-se aos gritos, declarando guerra ao Ministério Público. Deu, também com isto, um notável exemplo de contenção republicana.
Ressurgiu há um ano, como discreto comentador político longe do chamado "horário nobre": o último foi exibido há escassos dias. Morreu ontem aos 65 anos, vítima de fulminante síncope cardíaca.
A sua voz apagou-se cedo de mais. Faz-nos falta como alerta contra os demagogos de turno que andam por aí sem freio nos dentes, mais assanhados que nunca. Agitando o espantalho da insegurança para apertarem o torniquete à liberdade.
A minha respeitosa homenagem a Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva, que agora nos deixa, para dolorosa surpresa geral.
A Assembleia da República prestou-lhe merecido e justo tributo póstumo, como se impunha. É triste que só a morte sirva para convergirmos no essencial. Conscientes de que a democracia política é tão frágil como a vida humana: pode apagar-se com demasiada facilidade se não cuidarmos bem dela em cada dia que passa.