Meu Capitão
Fernando Salgueiro Maia fotografado por Alfredo Cunha a 25 de Abril de 1974
Um verdadeiro herói nunca se considera herói.
Cumpre o seu dever não por ser um dever
mas por urgente imperativo de consciência.
Dá o nome
a cara
o peito às balas
e se for preciso a vida
pela causa que crê ser mais justa
entre todas as causas.
Um verdadeiro herói pensa em si próprio
só depois de pensar nos outros.
Avança sem temor
com a noção exacta
de que joga tudo numa ínfima fracção de tempo:
conforto, carreira, promoções, anonimato.
Ficando a partir daí
exposto ao escárnio imbecil
de todos os cobardes
que nunca dão um passo
fora do perímetro de segurança
mas quando a poeira assenta
logo surgem muito expeditos
a julgar os outros.
A julgar aqueles como tu:
os que arriscam
os que experimentam
os que se atrevem a romper as malhas
de um quotidiano medíocre.
Os que trocam a palavra eu pela palavra nós.
Os que nunca se conformam.
Um verdadeiro herói
é aquele que deixa a sua impressão digital
nas insondáveis rotas do destino humano.
Tu ousaste mudar um país.
Não pelo sangue
não pelo ódio
não pela intriga
mas pelo gesto
pelo rasgo
pelo exemplo.
Sabendo como é ténue a fronteira
entre glória e drama
quando alguém irrompe de madrugada
pronto a desafiar os guiões da História.
Fernando Salgueiro Maia.
Foste um herói
ao comandar a patrulha da alvorada.
Voltaste a ser um herói
quando decidiste retirar-te ao pôr-do-sol
deixando outros pavonear-se sob o clarão dos holofotes.
Recusaste ficar exposto na vitrina.
Recusaste servir de bandeira.
Recusaste ser "vanguarda revolucionária".
Recusaste ser antigo combatente.
Recusaste dar pretextos para dividir.
Tu que foste um poderoso traço de união entre os portugueses
naquelas horas irrepetíveis em que tudo podia acontecer.
Saíste do palco:
aquela peça já não te dizia respeito.
E nunca a tua grandeza se revelou tão evidente
como no momento em que abandonaste a ribalta
regressando à condição de homem comum.
Indiferente a ladainhas e louvores.
Longe da multidão
que fugazmente te acenou
na mais límpida de todas as manhãs.
Sem outra medalha além desta:
eternamente graduado no posto
de capitão da liberdade.
Poema meu, reeditado