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Delito de Opinião

#metoo - um pequeno preço a pagar

João André, 10.01.18

Uma das consequências do movimento #metoo and #balancetonporc é o sentimento de medo que se tem instalado entre a população masculina. Em parte isto tem-se reflectido essencialmente em figuras públicas, mas de tempos a tempos ouvimos falar de situações em empresas ou comentários genéricos sobre investigações acerca de abusos sistemáticos. Agora surge uma carta aberta de um colectivo de 100 mulheres no Le Monde que defende a «liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual».

 

Esta carta sugere aquilo que deveria ser óbvio: num mundo de maturidade, de decência, e de igualdade, a liberdade de importunar uma mulher (ou um homem) por um homem (ou outra mulher) numa tentativa de flirt, de sedução, deveria ser incontestável. Ninguém se deveria incomodar com comentários que insinuem intenções sexuais, nem com contactos físicos decentes (toques na mão, contacto de joelho com joelho, mãos discretamente nos ombros, etc, dependendo de cada um/a). Da mesma forma que a pesosa em causa deveria ter completa liberdade de rejeitar o interesse e ficar em paz e sossego. A insistência deveria ser permitida, bem como a reiteração, de forma mais insistente, da rejeição. Estas são regras, que não devem necessitar de ser escritas, que permitem a coabitação numa sociedade normal.

 

O que vemos no entanto é que os homens começam a sentir-se ameaçados. Têm que justificar comentários ou gestos completamente inocentes e sem segundas intenções, têm que explicar que aceitaram rejeições sem dificuldades e seguiram em frente, sem tomar quaisquer outras medidas contra quem os rejeitou, ou que talvez tenham tido gestos ou comentários pouco apropriados no momento mas pediram desculpas à pessoa em causa. Começam agora a ter que fazer pedidos públicos de desculpa (tanto mais quanto mais públicas sejam as figuras),  como se a população em geral tivesse alguma coisa que ver com estas situações.

 

Temos então um mundo onde os homens começam a ter medo, a ter que pedir desculpas e a perder emprego com acusações das mulheres.

 

Já vem tarde!

 

O problema com abusos sexuais ou comportamentos indecentes não está descrito em nenhum manual. Uma violação não está consumada apenas com um acto sexual. A percepção da pessoa que sofre é o elemento fundamental. As mulheres (são quase sempre mulheres) podem sentir-se agredidas com actos aparentemente inócuos se o balanço de poder entre elas e o abusador for altamente desequilibrado para o lado deste. Um homem que demonstre interesse numa mulher num bar tem menos poder que um colega numa posição superior (hierarquicamente, financeiramente ou simplesmente graças à sua influência na organização). Se o primeiro pode ser rejeitado com alguma seguramça, existe sempre o medo que o colega decida agir contra a mulher e arruinar-lhe a carreira ou a reputação.

 

No caso de violações, o principal dano não é sexual, antes psicológico. Isto é válido para mulheres e homens, que sofrem de sentimentos de impotência e vergonha por terem sido forçados a actos contra os seus desejos. O acto pode não passar por mais que serem observados a tomar banho (como Weinstein foi acusado de pedir/exigir) e ser considerado na mesma como violação.

 

O último e mais importante aspecto do desequilíbrio d epoder entre homens e mulheres está na questão da força física. Em média uma mulher é fisicamente mais fraca que um homem e terá dificuldades em se defender se o homem a quiser agredir. Este aspecto é de tal forma determinante que desequilibra até situações onde mulheres detêm poder hierárquico sobre homens. Este é, além disso, o aspecto mais determinante também do ponto de vista histórico e que tem sido a principal fundação da desigualdade entre homens e mulheres que dura até aos dias de hoje.

 

Assim sendo, a minha visão é simples: as mulheres têm sofrido ao longo de séculos (milénios). São desconsideradas nas opiniões, mal pagas (quando são pagas), ignoradas, sofrem mais facilmente com qualquer acusação da parte de homens, são descriminadas inclusivamente devido à sua própria fisiologia. Se os homens têm que sofrer durante uns anos ou décadas, serem acusados injustamente de atitudes impróprias - ó desgraça, infâmia - e serem obrigados a esclarecer acções e gestos e pedir desculpas por terem sido talvez pouco sensíveis às percepções das mulheres, assim seja. Metade da população mundial tem sido favorecida de forma (demasiadas vezes) brutal. Se agora alguns deles têm que passar a ter mais atenção e podem sofrer, é um preço que devemos estar completamente dispostos a pagar.

4 comentários

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    João André 10.01.2018

    Caro Luís, nunca quero que um inocente pague seja pelo que for. No entanto é um facto incontestável que as probabilidades de um homem ser punido quando é inocente é imensamente menor que os riscos (e consequências) que as mulheres correm. Estas sofrem por vezes assédio real, demonstram enorme coragem ao apontar esses abusos e depois ainda sofrem por isso ao serem acusadas de serem histéricas, exageradas, mentirosas ou serem simplesmente mandadas calar ou ignoradas.

    Perder o emprego é um risco bastante pequeno e ainda o será mais se não houver razões para o despedimento. Além disso há sempre a possibilidade de contestar a decisão de despedimento com base em factos. A única situação que eu vi foi a de um homem que perdeu o seu emprego por uma atitude profundamente agressiva relativamente a mulheres. Ele contestou a decisão e perdeu esse recurso em tribunal. Creio que até hoje não sabe que o comportamento dele era absolutamente impróprio.

    Eu já sofri de uma acusação errada no passado. Um comentário que me pareceu absolutamente inócuo e não tinha qualquer segunda intenção incomodou profundamente outra mulher. Quando isso me foi apontado fui falar com ela, na companhia de uma amiga dela, para pedir desculpa pela insensibilidade, perguntar qual a razão para a ter incomodado (se ela me quisesse explicar) e garantir que não tinha qualquer intenção de causar esse incómodo. Hoje somos amigos, mas na altura fiquei com má imagem durante uns tempos, mesmo depois de esclarecida a questão.

    Seja como for, se quer falar de preços não pequenos, comece com os que as mulheres têm pago sem qualquer razão para isso ao longo de séculos. Haverá abusos quando corrigimos uma injustiça? Sim, mas serão consideravelmente menores que as injustiças que estão a ser corrigidas.
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    Luís Lavoura 10.01.2018

    nunca quero que um inocente pague seja pelo que for

    Haverá abusos quando corrigimos uma injustiça? Sim, mas serão consideravelmente menores que as injustiças que estão a ser corrigidas.

    As duas frases acima contradizem-se. Na primeira o João André diz que nunca quer que um inocente seja condenado. Na segunda admite que possa haver abusos, isto é, que possa haver inocentes que venham a ser condenados.
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    João André 10.01.2018

    Não quero que ninguém morra em guerras, mas aceito que haja guerras para evitar males maiores.

    Esclareceu ou preciso de fazer um desenho?
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