Medina e o Russiagate
jpt, 08.08.24
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa aplicou agora à Câmara de Lisboa uma multa de um milhão de euros devido ao ao envio para a embaixada russa, durante largos anos, de dados pessoais de organizadores - portugueses e estrangeiros - de acções avessas ao regime de Putin decorridas no município. Ao escândalo chamou-se "Russiagate", epíteto minimalista pois a Câmara enviava também dados do mesmo teor, e por razões similares, às embaixadas da Venezuela, da China e de Israel.
A delação municipal ocorreu durante a presidência de Fernando Medina. Quando foi confrontado com a ignomínia Medina sacudiu a água do capote, tendo imolado um qualquer quadro médio camarário, feito "bode expiatório". Depois seguiu a Ministro das Finanças, cargo no qual soube embelezar as contas. Os correligionários gabaram-no. Entretanto o governo caiu, o PS fez ascender o truculento Santos.
Medina, sagaz, querendo-se qual "peixe de águas profundas" 2.0, recuou, e deixa-se marinar aguardando o óbvio, que Santos esboroe. Após esse futuro evidente os da "esquerda democrática" acolherão o seu regresso, lembrarão o quanto retocou os recantos da baixa lisboeta e as referidas contas públicas. Ser-lhes-ão indiferentes as denúncias dos que se erguiam contra Putin, Maduro, Xi Jinping. E dos defensores da Palestina. E se confrontados com a ignomínia de Medina argumentarão que a responsabilidade foi de um... bode expiatório, já imolado.
Sobre isto escrevi em 11 de Junho de 2021: Que a Câmara de Lisboa informe as embaixadas locais sobre os organizadores de manifestações é inaceitável. Que Medina venha clamar que se está a fazer um "aproveitamento político" mostra bem que segue alheio ao fundamental: pois isto é algo "político", remete para os valores fundacionais da democracia. E mostra uma mundividência antidemocrática (policiesca, mesmo) no topo da administração.
Há quem o queira eximir, aventando que nada soube disto - e mesmo quem aluda aos milhares de trabalhadores da câmara, mole que será suficiente para nela se encontrar um atávico amanuense expiatório. Esta notícia (em 2019 o gabinete de Medina confirmava esta prática) comprova o contrário. Medina está há muito tempo na Câmara, o seu gabinete há pelo menos dois anos que sabe destes procedimentos - muito provavelmente conhece-os e pratica-os desde que entrou em funções. Ou Medina não sabe o que se passa no seu gabinete, mesmo sobre uma matéria tão delicada e fundamental como esta - o que seria um caso de incompetência funcional e de incapacidade em seleccionar os colaboradores mais próximos. Ou sabe, e "deixou correr" ao longo de anos - até aos protestos dos cidadãos luso-russos em Janeiro passado, que a imprensa foi calando mas decerto fazendo chegar ao pessoal camarário.
Se não é diante de algo desta monta, que remete para os valores centrais de democracia, que se pede "responsabilidade política" esta deixa de ser convocável. Deixemo-nos de rodeios, este homem não serve, nem para a Câmara nem para quaisquer postos políticos. Pois, como isto mostra, não serve a democracia. E não é um qualquer apressado face-lifting que o esconderá.