Medina Carreira :«Nunca fui corrompido»
Quem fala assim... (37)
«Este país vive sempre no curto prazo, em função do trimestre anterior e do trimestre que há-de vir»
Bem ao seu jeito, Henrique Medina Carreira respondeu assim, quando lhe perguntei qual era o seu maior sonho: «Era ver isto governado por gente honesta e competente. Se não mudarmos, Portugal caminha rapidamente para um desastre financeiro e social de proporções históricas.» Numa entrevista telefónica que lhe fiz 18 meses antes da chegada da troika. Quem o conheceu, reencontra o seu tom aqui, do princípio ao fim. Infelizmente, o ministro das Finanças do I Governo Constitucional já não está connosco: faleceu a 3 de Julho de 2017.
Tem medo de quê?
Quase toda a gente tem medo de morrer. Eu não. Mas tenho medo da forma como se morre, do sofrimento. Fora isso, não tenho medo nenhum. Sou uma pessoa de vida limpa: nunca enganei ninguém, nunca fui corrompido.
Gostaria de viver num hotel?
De jeito nenhum. Gosto de viver em sossego.
A sua bebida preferida?
Água.
Tem alguma pedra no sapato?
Não. Houve quem me fizesse umas patifarias, mas isso não chega para alterar o meu humor.
Que número calça?
43.
Que livro anda a ler?
Ando sempre a ler vários livros. Neste momento estou a ler com muito interesse um do Vasco Pulido Valente sobre a política nos séculos XIX e XX. Ando a ler também com muito interesse outro livro, da Fátima Bonifácio, sobre o liberalismo.
História é um tema que lhe interessa?
É. Não conseguimos perceber bem o presente nem encontrar soluções para o futuro sem conhecermos o passado. Este país vive sempre no curto prazo, em função do trimestre anterior e do trimestre que há-de vir.
Tem muitos livros à cabeceira?
Na cabeceira só tenho canetas e uma telefonia. Mas tenho livros a toda a volta. Vivo rodeado de livros, desordenadamente e em pilhas. Quando quero um lá consigo encontrá-lo.
A sua personagem de ficção favorita?
As do Eça, sobretudo d' Os Maias e d' A Relíquia.
Falta-nos hoje um Eça?
Não sei se um Eça hoje bastaria.
Rir é o melhor remédio?
Tenho um ar desagraçadamente sisudo, mas gosto imenso de dar umas gargalhadas. Quando estou com pessoas de que gosto costumo rir-me perdidamente.
Lembra-se da última vez em que chorou?
Choro com frequência, até com notícias da televisão. É uma fragilidade minha.
Gosta mais de conduzir ou de ser conduzido?
Gosto muito de conduzir, mas conduzo muito pouco porque há cada vez menos espaço para estacionar.
É bom transgredir os limites?
Depende. Quando são os outros que estão em jogo, não devemos transgredir.
Qual é o seu prato favorito?
Gosto muito de sardinhas assadas, de bacalhau. No fundo, gosto daquilo de que os portugueses gostam.
Qual é o pecado capital que pratica com mais frequência?
Acho que não pratico nenhum. Não tenho a consciência pesada.
A sua cor favorita?
Encarnado. Sou benfiquista.
Costuma cantar no duche?
Não. Ficaria assustado comigo mesmo.
E a música da sua vida?
Sei pouco de nomes de músicas. Mas há uma que me fascina: o Adagio, de Albinoni.
Sugere alguma alteração ao hino nacional?
Gosto muito do hino. Refiro-me sobretudo à música, pois reconheço que a letra é um pouco caricata. Mas todas as letras dos hinos são caricatas: basta ouvir as do Benfica ou do Sporting.
Com que figura pública gostaria de jantar esta noite?
Com Mário Soares [falecido em Janeiro de 2017]. Trabalhei com ele e hoje estou em desacordo com ele em quase tudo. Mas é uma pessoa fascinante.
As aparências iludem?
Sou uma pessoa de boa fé. Costumo até dizer que qualquer um é capaz de me vender um carro eléctrico mas ninguém me vende segunda vez um carro eléctrico. Quando me enganam, é definitivo. Na política portuguesa existem aldrabões a mais. Aqueles que me enganam vão para o arquivo...
O que é que um verdadeiro cavalheiro nunca faz?
Desrespeitar os fracos, os idosos, as senhoras. Ainda sou do tempo de dar a direita a uma senhora.
Qual é a peça de vestuário que prefere?
Aquilo que trago agora: uma camisa ligeira e umas calças de ganga. Detesto casaco.
Qual é o seu maior sonho?
O meu maior sonho era ver isto governado por gente honesta e competente. Se não mudarmos, Portugal caminha rapidamente para um desastre financeiro e social de proporções históricas.
E o maior pesadelo?
Tenho um pesadelo frequente: acordo a meio da noite, num local estranho, que não sei qual é.
O que o irrita profundamente?
A aldrabice. Acho-a particularmente detestável.
Qual a melhor forma de relaxar?
Andar. Ler. Passear sem rumo e sem preocupações.
O que faria se fosse milionário?
É coisa a que não aspiro pois não saberia o que fazer.
Casamentos homossexuais: de acordo?
Não. Casamento é uma figura histórica que assenta na ideia de desigualdade sexual. Mas a regulação jurídica de uma relação entre iguais é algo que defendo há muito.
Uma mulher bonita?
Teresa Gouveia. Tem uma beleza serena, ponderada, reflectida, respeitadora.
Acredita no paraíso?
Não. A gente vive aqui e depois vamos todos para o mesmo sítio.
Tem um lema?
Fui educado sob o lema dos Pupilos do Exército: Querer é poder. Ao longo da minha vida tenho sido muito o produto da aplicação deste lema.
Entrevista publicada no Diário de Notícias (22 de Agosto de 2009)