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Delito de Opinião

Mau Humor

Francisca Prieto, 30.06.16

Hoje foi dia de andar para aqui de estômago embrulhado numa difícil digestão daquelas que só as polémicas nas redes sociais são capazes de provocar.

Ora um rapaz humorista, de nome Diogo Faro, resolveu escrever uma crónica na revista Visão onde, divagando no formato dicotómico a que Miguel Esteves Cardoso brilhantemente nos habituou, abordou a temática das idas à praia dos Betos versus os Mitras.

A crónica até podia ter graça, mas não tinha lá assim muita. Repleta de lugares comuns e até de algumas incongruências, avançava pelas linhas fora ridicularizando os Lourenços versus os Fábios e as sanduíches de peru sem glutén por oposição aos papo-secos mistos e por aí fora.

Tudo isto passaria ao lado, se não houvesse pelo meio uma tirada infeliz em que o autor considerou hilariante comentar que os betos se apresentavam na praia com as suas grandes ninhadas, onde muitas vezes constavam crias com trissomia 21 que as mãe não afogavam à nascença porque ficavam óptimas nas fotos da família.

Defendo há muito tempo que não há fronteiras para o humor, excepto as do nível da graça. Ou seja, podemos fazer humor sobre aquilo que bem nos apetecer (sim, mesmo sobre o Menino Jesus ou a Madre Teresa ou os paralíticos do deserto), mas se nos atrevemos a levar o humor para temas extremos, é bom que a piadola seja mesmo hilariante. Não pode ser só uma graçola palerma.

E esta graçola do senhor Diogo Faro é tão pateta que, não tendo graça nenhuma, acaba por ser gratuitamente ofensiva para uma data de famílias que conheço que dão o litro para que os seus filhos com trissomia 21 tenham um projecto de vida capaz.

As crianças com trissomia 21 felizmente já não são remetidas para o quarto dos fundos das casas, mas também não são troféus de uma família. São só filhos. E para elas queremos um futuro igual ao que desejamos para qualquer outro filho: que sejam autónomas e felizes.

Aparecem evidentemente nas fotos de família, fazem o seu percurso em escola regular, andam na natação ou no judo ou no que bem lhes apetecer e trabalham o dobro dos outros para conseguirem metade dos resultados.

Nós estamos lá ao seu lado, como estamos para todos os filhos. Para os proteger das agruras desnecessárias, para lhes dar a mão quando calha não serem convidados para uma festa, para os ajudar nos trabalhos de casa e para garantir que, aconteça o que acontecer, venham a ter um papel relevante na sociedade.

Ao contrário do que o caríssimo Diogo Faro parodia, infelizmente há muitas famílias, de betos e não betos, que os afogam à nascença. Diz-nos a estatística que mais de 95% das crianças com trissiomia 21 ficam pelo caminho, logo ao início da gravidez, por opção dos pais. O que quer dizer que há muita gente que foge, como o diabo da cruz, de os querer ver no postal estival de família.

Mandar piadolas palermas sobre famílias que todos os dias têm de encher o peito para fazer valer os direitos dos seus filhos é uma crueldade.

Fazer humor em cima de crianças deficientes mentais é uma covardia.

Se o texto fosse de rebolar a rir, perdoava-se. O que está mal é que não era. Era só poucochinho.

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