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Delito de Opinião

Mas a candidatura de Lisboa era assim tão espectacular?

João Pedro Pimenta, 23.11.17

Com o risco de ser interpretado como "defensor dos valores tripeiros" ou coisa parecida, tenho de discordar dos meus confrades do Delito na matéria "se Lisboa fosse candidata a receber a EMA teria muito mais hipóteses de ganhar do que o Porto". 

 

Sim, o Porto perdeu, ficou em sétimo e em boa verdade só por muita fé é que se pensaria que podia ganhar. A candidatura tinha alguns aspectos vagos e dificilmente podia ombrear com outros concorrentes. Mas pensar que Lisboa tinha mais hipóteses é outra quimera. Até agora, vi escrito vezes sem conta que Lisboa era uma das preferidas, que tinha muito mais possibilidades de ganhar, etc. Pois bem, não vi um único argumento que me demonstrasse essas tais hipóteses. 

 

 

O Luís refere por exemplo que a Agência só podia ir para uma capital. Ora a cidade que chegou ao fim com mais pontuação foi Milão, só preterida em sorteio posterior a favor de Amsterdão. O Porto ficou a par de Atenas e à frente de capitais como Viena, Helsínquia, Sófia, Bucareste ou Varsóvia. Se ser capital nacional era mesmo um requisito (e isso não aparecia em parte nenhuma, senão não concorreriam cidades que não o são), ou houve distracção por parte das entidades responsáveis ou então era apenas uma condição simbólica. O que só mostra que a candidatura do Porto era melhor do que o que se pensava.

 

O Embaixador Seixas da Costa, também aludido pelo Luís, acha que "Lisboa era a única cidade portuguesa com condições potenciais para albergar" a agência. Mais uma vez não nos são apresentados critérios, excepto o da "visibilidade excepcional que a cidade está a ter por toda a Europa". Se a razão é essa, recordo que a também o Porto tem neste momento uma visibilidade internacional que provavelmente nunca antes tinha conhecido. Não por acaso, foi eleito, por três vezes em seis anos, "melhor destino europeu". Vale o que vale, mas a votação que lhe permitiu o tri-galardão teve sobretudo votos estrangeiros a favor. Não sendo um argumento de enorme peso, demonstra que também a visibilidade portuense está em alta. E não esquecer, evidentemente, a repercussão que a eleição de Rui Moreira teve, com honras de reportagem e entrevista por parte de jornais como o Le Monde e o New York Times.

 

O Diogo recorda-nos que os funcionários da EMA preferiam ir para Lisboa. Podia ser um argumento com algum peso. Simplesmente, diz-nos a notícia, tratou-se de um inquérito interno revelado apenas pelo presidente da Apifarma, e sem que os resultados fossem "publicados ou comunicados aos estados-membros". Ou seja, temos apenas a "revelação" do sr presidente da Apifarma, sem qualquer confirmação. Aliás, ouvimos muitos falsos alarmes ao longo deste processo. Ou não se lembram do favoritismo ser atribuído a Bratislava?

 

De resto, não ouvi quaisquer outros argumentos que atestassem as enormes hipóteses de a candidatura Lisboa ser tão melhor que a do Porto. Pelo contrário, ouvi os habituais desabafos de que "era a capital", a maior cidade", "essas coisas devem ficar onde têm mais representatividade (Sic)", etc. Excepto talvez um: o de que Lisboa teria mais linhas aéreas. É um facto. Mas para além do aeroporto de Pedras Rubras apresentar melhores condições, é bom lembrar que a supressão de várias e importantes linhas aéreas do Porto partiu daquela empresa que não sabemos se é pública ou privada chamada TAP, com explicações frouxas e atabalhoadas.

 

Por outro lado, há um argumento que se não é exclusivo, joga pelo menos com bastante força contra a candidatura de Lisboa: o facto de já lá haver duas agências europeias. Só uma cidade tem mais do que duas: Bruxelas. Tirando a "capital da UE", e na possibilidade remotíssima de ganhar, Lisboa tornar-se-ia a única cidade com três agências, o que seria uma caricatura chapada do centralismo à portuguesa.

 

Assim sendo, explica-se melhor a atitude do governo, que depois de escolher Lisboa, mudou subitamente para a candidatura do Porto: sabia-se que nem uma nem outra teriam quaisquer hipóteses. E tentou-se assim dar uma aura de descentralização de fachada. Mais penoso ainda: viram-se deputados, como Catarina Martins, a retorquir que o facto de outras cidades, como o Porto, Braga e Coimbra não serem também candidatas era um ultraje, depois de eles mesmo terem votado em Lisboa.

 

Mas talvez estas discussões e estas candidaturas tenham trazido algo de bom: tal como aconteceu com o Festival da Eurovisão (que ficou, e muito bem, no Parque das Nações), discutiu-se para que cidade portuguesa determinado organismo/evento internacional viria, embora só depois de se emendar a mão à simples escolha de Lisboa, apenas porque sim, sem mais. É uma atitude saudável que doravante terá de fazer parte das escolhas dos decisores políticos. O resultado final pode perfeitamente ser Lisboa, mas que haja uma avaliação e um debate prévio sobre a matéria em questão. Senão arriscamo-nos a ficar sempre tão centralizados como a Hungria ou a Grécia. Ou talvez nem isso: é que a Grécia conta com três agência europeias e nenhuma delas sequer fica em Atenas. Afinal é bem verdade que Portugal não é a Grécia.

 

Já agora, se me permitem, ficou-se a saber que a desconcentração de serviços é uma tarefa hercúlea. Não sei se a mudança da administração e de parte dos trabalhadores da Apifarma de Lisboa para o Porto se justifica e a que títulos. Também não acho, nem nunca achei, que desconcentrar fosse tirar de Lisboa e colocar no Porto, como se a grande falha não fosse litoral/interior. Mas ao ver os queixumes e as reclamações com o "triste destino" dos trabalhadores, que, horror, podem até ter que ir trabalhar para o Porto, não posso deixar de pensar nos milhares e milhares que ao longo de gerações tiveram que abandonar as suas raízes e as suas famílias e migrar para a capital e para os seus subúrbios crescentemente lotados, sem que nunca ninguém tivesse elevado a voz para os defender nem para contestar a sua migração quase forçada. Talvez agora se comece a pensar nisso.

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