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Delito de Opinião

Maria Barroso: uma recordação.

Luís Menezes Leitão, 07.07.15

Conheci Maria Barroso quando, com a idade de sete anos, entrei no Colégio Moderno, no já longínquo ano de 1970. Ela era a Senhora Directora, sobre cujos ombros recaía a responsabilidade de gerir o colégio em tempos muito conturbados. Como não podia deixar de ser, o colégio ministrava escrupulosamente o programa do Estado Novo e por isso aprendi a geografia de todas as colónias, incluindos os rios, linhas de caminho-de-ferro e principais culturas agrícolas. O programa era tão absurdo que até a Índia Portuguesa nos foi ensinada, apesar de ter sido tomada pela União Indiana há uma década. Quando um colega chamou a atenção para esse facto, a professora disse sorridente que, apesar disso, ainda tínhamos que a estudar. E lá tivemos assim que aprender Goa, Damão e Diu e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli.

 

Mas, de vez em quando, a Directora ia visitar a nossa sala. Nessa altura, todos os alunos a cumprimentavam, a professora suspendia a lição e Maria Barroso falava. Ouvia as dúvidas dos alunos, dava conselhos e falava longamente sobre qualquer assunto que surgisse. As suas palavras prendiam. Por muitos irrequietos que os alunos fossem, era impossível não ficarem atentamente a escutá-la. Mas nunca se queixou da sua situação pessoal, ou alguma vez nos falou do marido, e por isso nunca soubemos quem era Mário Soares e muito menos porque estava exilado.

 

Um dia, quando entrámos no colégio, soubemos que nessa noite o mesmo tinha sido assaltado e que os assaltantes tinham vasculhado o gabinete da Directora, deixando-o totalmente desarrumado, com uma faca cravada na sua secretária. Todos os alunos ficaram naturalmente em grande estado de agitação, mas a Directora resolveu rapidamente o problema. As professoras mandaram os alunos ficar sentados com os olhos fechados durante dez minutos e, passado esse tempo, leccionaram as aulas como se nada se tivesse passado. Só mais tarde compreendi o que esse episódio tinha significado, e como fora preciso coragem para manter o colégio a funcionar nessa situação. 

 

Quando se dá o 25 de Abril, eu já estava fora do colégio, e só voltei a encontrar Maria Barroso quando ocupei a presidência da Faculdade de Direito de Lisboa e ela a visitou na qualidade de Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa. Tivemos então ocasião de falar algum tempo sobre a evolução do colégio desde o tempo em que o frequentei. Hoje, dia em que nos deixou, muitos recordarão a sua brilhante carreira política, e as inúmeras causas por que lutou. Eu recordo-me especialmente dela como a Directora do Colégio Moderno, que tanto marcou os alunos que por lá andaram.

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