Maldição humana
Na literatura pós-apocalíptica surge frequentemente a ideia de que os sobreviventes de uma guerra nuclear acabariam por se virar contra toda a tecnologia. No fundo, para preservar a humanidade, seria preciso destruir a hipótese de recuperar a civilização, eliminando todo o saber, destruindo cada registo e cada livro existentes. Há o exemplo real e clássico do Camboja, onde a eliminação do "mundo antigo" foi feita a partir de cima, ou seja, pelo homicídio das pessoas que exibissem algum sinal de literacia, incluindo professores, diplomados ou intelectuais. Possuir um livro era crime e implicava fuzilamento. A cultura pode não ser mais do que um verniz que cobre uma civilização mais frágil do que parece, pronta para se auto-destruir. O suicídio de uma grande cultura implica o apagamento da memória e a reconstrução começa com uma folha em branco. Hoje, quando parece que estamos a caminho do desastre, basta um erro de cálculo ou uma avaria informática para transformar em pó séculos de esforço humano. Talvez a literatura pessimista tenha certa razão: o saber e o engenho podem ser uma maldição.
imagem IA, Night Café