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Delito de Opinião

MAGA

José Meireles Graça, 18.02.25

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Make America Great Again foi a bandeira da campanha de Trump e se isso encontrou eco no eleitorado americano foi por haver a percepção de que “great” tinha deixado de ser.

Quer dizer que alguma coisa de profundo tinha de mudar na ordem interna para pôr a América a produzir (ainda que não seja possível) como nos tempos áureos da Guerra Fria, em vez de ter na China e no México as fábricas da sociedade de consumo que continua a ser, e regressar ao Estado que deixa fazer em vez do Estado que sufocantemente regula através de um polvo de agências intervencionistas, servidas por burocratas que tomaram o freio nos dentes, tudo em cima do medo palpável de uma imigração que pode descaracterizar os valores WASP sob os quais os EUA se tornaram “grandes”. Isso e a captura da comunicação social, das universidades e empresas pelas múltiplas engenharias sociais e comportamentais engendradas por grupos de pressão esquerdistas e identitários – o que se chama o movimento woke.

Na ordem externa abandonando as torrentes de dinheiro despejado ao abrigo do papel imperial de comandar os destinos do mundo e espalhar os valores democráticos e progressistas, e em vez disso enfrentando realisticamente as novas superpotências concorrentes, que são a China e a Índia.

A ordem velha ruiu com a queda do muro de Berlim. E o justificado regozijo na Europa com a débâcle soviética era na verdade um toque de finados da ordem de paz e sossego nascida da II Guerra Mundial. Porque o inimigo era a URSS e como esta tinha uma vocação universal de subversão das outras sociedades em nome do comunismo e era portanto o inimigo figadal dos EUA e das outras democracias, nasceu a NATO. Foi esta, um inimigo comum e a ameaça de retaliação atómica que garantiram a paz e a solidariedade euro-atlântica. Não a UE, à qual segundo a lenda devemos aquele meritório resultado.

A URSS já não existe, o que lhe tomou o lugar foi o velho poder czarista, que é ou talvez seja uma ameaça para os vizinhos, mas não para os EUA. Daí que Trump seja um catalisador de tendências inelutáveis, não o potencial autor de grandes desgraças; e daí que os europeus tivessem agora descoberto que têm de encostar a barriga militar ao balcão, adormecida e engordada pelo aliado rico no tempo em que precisava deles.

Acresce que o mecanismo europeu de decisões tomadas longe dos cidadãos por políticos ou burocratas que não respondem directamente perante eleitor algum; e a permeabilidade desses políticos e dessas burocracias às modas de pensamento em matéria ambiental, educativa, de imigração, de costumes e o mais que constitui o pensamento woke, num quadro de permanente tábua-rasa de nacionalidades e diferenças: vão alienando uma quantidade crescente de cidadãos, nuns sítios mais e noutros menos – os deploráveis, como não dizem mas pensam os magistrados da opinião tradicional, que são quase todos.

Mas vivemos em sociedades democráticas e portanto este descontentamento encontrou quem o cavalgue e quem – ó escândalo – ganhe eleições ou ameace ganhá-las em nome da extrema-direita. E o establishment, ofendido na sua tranquilidade e interesse, reage tentando fechar a boca à dissidência com controles sortidos em nome do combate à desinformação, defesa da democracia através do apoio à imprensa, censura às redes sociais em nome da repressão do discurso de ódio, criminalização da liberdade de expressão desalinhada, tudo embrulhado em grandiloquências e, em casos limite, dar os meios ao poder judicial para se envolver no jogo político, no caso de este se inclinar para contrariar tendências que o Poder considera inconvenientes, como sucedeu na Roménia.

Trump tem a elegância de um rinoceronte, o porte de um bully gordo e o discurso de um vendedor de feira, mas sabe sempre de que lado é que o pão tem a manteiga. Dele não se pode esperar que, tendo-se a Europa deixado afogar numa economia socialista, numa democracia de organizações opacas e cerimónias de fachada, numa deliquescência dos sentimentos nacionais, numa tibieza militar, numa opinião acarneirada e num tsunami de imigrantes dos quais uma parte é inassimilável, viesse a Munique para os salamaleques da praxe com mensagens subliminares para entendidos.

Não veio. E em vez disso veio o Vice-presidente e produziu um discurso que gelou a sala. Foi, antes de qualquer outra coisa, uma notável peça de oratória. E nela não se viram vestígios de diplomacia mas carradas de sinceridade, verberando sem pudor alguns dos males europeus, de cujos corifeus uma parte estava naquela sala.

Como concordei com quase tudo o que disse, e como sou sensível à eloquência, apreciei muitíssimo. Todavia, mais reflectidamente, parece-me que a sinceridade talvez não seja, em relações internacionais, um activo de grande utilidade.

Mas para acordar um texugo gordo é talvez preciso, às vezes, dar-lhe pontapés. Veio um Americano fazer o serviço? Reconheça-se que tem alguma autoridade: já cá veio, no século passado, por duas vezes, e para resolver uma guerra nas nossas fronteiras contava-se que tirasse, por nós, as castanhas do lume.

Não estão para isso.

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