Livros de cabeceira (8) - série II
No cimo da pilha, por questões foto-estéticas (relacionadas com o tamanho), encontram-se dois volumes que lerei num futuro próximo: as breves biografias de Sá Carneiro e Álvaro Cunhal. Trata-se de uma série lançada pela revista Sábado, por ocasião do seu vigésimo aniversário. Estes foram os volumes que adquiri na minha última estadia em Portugal (Maio/Junho). Tive sorte ao não ter falhado a biografia de Sá Carneiro, de autoria de João Pacheco. Adelino Cunha assina a de Álvaro Cunhal, que lerei igualmente com interesse. Foi indubitavelmente um político marcante da nossa História recente, indissociável da luta contra o Estado Novo.
A Amiga Genial, de Elena Ferrante, foi comprado em promoção numa Feira do Livro do Porto. Por tanto ter ouvido falar, resolvi testar. Adorei. E não descansei, enquanto não li os outros três que completam a famosa saga napolitana. Elena Ferrante põe-nos em contacto com a vida real, numa escrita crua, sem poesia. As suas personagens não se dividem entre boas e más, todas estão marcadas pelas disfuncionalidades de um bairro pobre e caótico, na Nápoles da segunda metade do século XX. A própria amizade, iniciada na infância, entre as duas personagens principais, deixa muitos amargos de boca, por vezes até nos exaspera. A saga, porém, não se resume às suas peripécias. Este é igualmente o retrato do Sul de Itália, onde não faltam a pequena máfia de bairro e as lutas entre fascistas e comunistas, que incendiaram a década de 1970.
Segue-se o intrigante título: Assim se pariu o Brasil. Já tinha lido romances históricos de Pedro Almeida Vieira, com enredos arrastados, convidativos ao sono. Comprei este por não ser ficção, apesar de, na contracapa, se falar “numa prosa culta mas cheia de humor”. Pode-se escrever um livro sobre factos históricos, usando humor? Enfim, não conhecer a História do Brasil colonial ajudou à minha decisão. Demorei, porém, a pegar no livro, adquirido já em 2016. E acabou por me surpreender pela positiva. O ritmo é o de uma narrativa de aventuras e, apesar de realmente se notar um travo humorístico, nunca é manipulador, o que, na minha opinião, revela um equilíbrio difícil de conseguir. Assim aprendemos, por exemplo, como o pequeno Portugal conseguiu ganhar tanto território à potência espanhola; como, neste caso, “o tempo dos Filipes” acabou por beneficiar o nosso país; como os colonos portugueses, auxiliados por indígenas e africanos, lograram expulsar franceses e, principalmente, neerlandeses, que se desunharam para arrebanharem o Norte sertanejo e, enfim, onde se explica como o enorme Brasil conseguiu garantir a sua unidade, enquanto as colónias espanholas se desmembraram em vários países. O livro contém ainda ilustrações de Enio Squeff.
Mulheres da Clandestinidade, de Vanessa de Almeida, põe-nos em contacto com um verdadeiro universo paralelo, durante o Estado Novo, o universo de pessoas que mergulhavam na clandestinidade, mudando de nome e tentando ludibriar a PIDE, todos os dias, a todas as horas. Mesmo não tendo qualquer simpatia pelo Partido Comunista, não se fica indiferente a esta narrativa. Tem ainda a particularidade de se centrar nas mulheres que, “com um imenso sacrifício pessoal, abandonaram as suas terras, as suas casas, a sua família, para mergulhar na clandestinidade” (p. 193). Apesar de o comunismo ter sempre incluído “a emancipação da mulher na sua teoria de transformação social” (p. 193), verifica-se “uma importante contradição entre o que a direcção preconizava e a prática discriminatória quotidiana” (p. 194). Muito há a dizer/ler sobre este assunto. E são elucidativas as palavras de Sisaltina Maria dos Santos, quando ela e o marido, libertados na sequência da revolução, chegaram a Sines: “Levaram o Américo aos ombros para a praça da vila, mas a mim, exceptuando a minha família, ninguém me ligou, porque o Américo é que era o herói” (p. 193).
Palavras de Liberdade, uma colectânea da Academia de Letras de Trás-os-Montes, a propósito dos 50 Anos do 25 de Abril, e na qual participei, é a minha leitura actual. Apesar de conter ficção e poesia, muitas das contribuições centram-se em experiências pessoais. De destacar, até agora, o texto de Jorge Sales Golias, um Capitão de Abril, envolvido na criação do MFA, desde as primeiras reuniões com Otelo Saraiva de Carvalho, na Guiné, e o de Joaquim Ribeiro Aires, um antigo aluno do Padre Max, no Liceu de Vila Real, que evoca essa figura trágica, assassinada em 1976, num crime nunca esclarecido. Gostei muito deste reencontro com o Padre Max. Tinha escrito sobre ele, há três anos, no meu blogue pessoal, depois de ter lido Uma bomba a iluminar a noite do Marão, de Daniela Costa.
Os últimos três livros da pilha serão os próximos a ler: Os Anos, de Annie Ernaux (Prémio Nobel em 2022); A Desobediente, de Patrícia Reis (que já foi autora neste blogue), e Parem Todos os Relógios, de Nuno Amado, finalista do Prémio LeYa, salvo erro, em 2017 (pelo menos, a edição é de Novembro desse ano). Estou especialmente expectante em relação aos dois primeiros.