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Delito de Opinião

Livros de cabeceira (12) - série II

João Pedro Pimenta, 12.10.24

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Nem sempre dormi ao lado de uma mesinha de cabeceira. Como preciso, em 98% dos casos, de algo para ler antes de dormir, encontrar um sítio para pousar as leituras era sempre complicado, e à falta de melhor acabavam no chão. Por isso, tenho para mim que, além de todas as utilidades domésticas, a mesa de cabeceira serve para acomodar as leituras do dia, da semana ou do mês, além de outros objectos prioritários (a chave de casa, por exemplo, para que não me esqueça dela).

A fotografia supra data já do Verão, do período de férias, mas tirando um caso, ainda são os livros cuja leitura está em curso ou agendada para breve. A disposição não é a melhor, mas serve o propósito da sua identificação.

Ali no canto superior esquerdo lobriga-se a Biografia do Esquecimento, de Diogo Leite Castro - pseudónimo literário de Diogo Leite DE Castro - que, tenho de confessá-lo, é um velho amigo mas já com livros de contos e outro romance publicado. Destes todos é o único que li até ao fim. Sinopse: um homem dos seus setentas, absolutamente banal, pede a um jornalista de obituários que lhe escreva a biografia, mesmo se à primeira vista não tem absolutamente nada de digno de nota nem de registo. A busca de material para a obra leva ao encontro de um crime e a uma torrente de acontecimentos passados, cada um mais intrigante que o outro. E entre paisagens do Porto, Paredes de Coura (com um cameo de Mário Cláudio), Vila do Conde e Coimbra, a biografia impossível desenrola-se até ao fim do novelo.

A meio, Paris após a Libertação, do grande historiador de guerra Anthony Beevor. Este é daqueles livros que tinha há muitos anos na prateleira e que queria muito ler, mas que por razões várias fui adiando. Decidi-me finalmente a pegar nele, e não sendo o melhor livro para praia, também dá para ler entre dois mergulhos. Depois de um breve resumo dos acontecimentos que levaram ao armísticio de 1940 entre a França e a Alemanha, do estranho regime de Vichy e da ocupação alemã, segue-se um relato emocionante da Libertação de Paris propriamente dita (fiquei a saber que os primeiros soldados franceses entraram ainda no dia 24 de Agosto, dia dos meus anos, embora a data oficial da rendição alemã seja 25) e dos quatro anos seguintes, com a febre da liberdade, o desejo de novidades, a carestia de vida e o confronto político, numa cidade que mesmo em austeridade voltou a ser um dos faróis culturais do mundo, como se comprova pelas personalidades que lá viveram ou por lá passaram, com De Gaulle à cabeça, pois claro, mas ainda Churchill, Coco Chanel, Edith Piaf, Sarte, Beauvoir, Camus, Prévert, Picasso, Hemingway, George Orwell, Yves Montand, Marlene Dietrich, Cocteau e tantos outros. Ainda me falta um pouco, porque a enormidade de pormenores e de petite histoire não permite uma leitura acelerada, mas cumpre todas as expectativas que tinha depositadas no livro.

Em cima, à direita, Roteiro Afetivo de Palavras Perdidas, uma das heranças escritas de António Mega Ferreira. Este é daqueles livros para ir lendo interpolado com outros, uma espécie de mini-dicionário de palavras ou expressões quase em desuso que povoaram a infância e juventude de Mega Ferreira. Ficamos a saber o que é a "baquelite" ou uma "gloríola", de onde vêm termos como "bota de elástico" ou "espampanante", recordamos os "espadas" e os "anis", tudo com grande "fineza" mas auxiliado por um "cartapácio" de velhos e bons dicionários.

Ali à esquerda, quase escondido, vê-se o autor, Joseph Roth, mas não totalmente o nome da obra, Hotel Savoy. Está ali para o ler brevemente, como introdução à obra de Roth, que só conheço de recensões. O resumo de contracapa promete: um jovem vienense judeu, que regressa a casa depois de três anos prisioneiro num campo siberiano depois da Grande Guerra, hospeda-se no Hotel Savoy. O resto só a leitura do livro me dirá, mas percebe-se que estão presentes alguns elementos da obra de Roth, ele próprio um judeu vienense que narra as glórias e a nostalgia do Império Austro-Húngaro.

Por fim, cá em baixo, Pequeno Almoço à Beira do Apocalipse, de Wladimir Kaminer, também por ler. Já tinha lido o seu Viagem a Trálálá, da colecção de viagens da Tinta da China, meio autobiográfico, meio picaresco, deste judeu russo naturalizado alemão, que vive em Berlim há mais de trinta anos e que se tornou uma das figuras gradas da cultura pop e boémia da capital alemã. Aqui dá-nos o relato das sensações e receios de um germano-russo muito pouco apreciador de Putin perante a invasão da Ucrânia, falando de assuntos sérios num tom quase espirituoso, impossivelmente optimista e decididamente irónico, que a espaços nos remete para um Kusturica mais contido. 

 

Hesitei noutros para leituras próximas, mas ficarão para depois. Até lá, acho que a minha mesa de cabeceira - que já é outra, por razões sazonais - não está mal servida.

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