Lições
O gosto pela escrita herdei-o do meu pai. Foi sempre o meu pai quem, em dias de festa, em momentos apartados ou apuros declarados soube construir longas missivas com todas as palavras nos lugares certos.
A minha mãe, por seu lado, domina uma capacidade mais discreta mas igualmente difícil. Sabe, como ninguém, prescutar as almas dos filhos e, quando acha que é preciso, escolhe um postal da sua vasta colecção, escreve no verso uma frase curta e trata de o enfiar num dos nossos bolsos. Acabamos por dar de caras com um alento insperado que nos faz suspirar até às profundezas mais reconditas da alma e depois, já com os níveis de oxigénio repostos, arrumamos a casa e seguimos com a vida.
No outro dia, assistindo ao meu desespero enquanto enfiava a vasta prole no carro, entre gritos (dos mais velhos) e choradeiras (das mais novas), resolveu, passadas umas horas, mandar-me um SMS que dizia: “Deus te dê paciência. Neste momento é este o teu lugar. Mas tens a vida toda.”
E, da última vez que lá passei por casa, enfiou-me na carteira um envelope azul e recomendou-me que o abrisse depois, no sossego da intimidade.
Continha um poema que o meu pai escreveu há mais de dez anos. Chama-se “Por Fim” e diz assim:
Apanhar humildemente
as lágrimas caídas.
Deixar a casa limpa
de tristeza.
Aprender a chorar
com um sorriso
e o silêncio activo
de quem reza.
Fiquei a pensar que os meus pais são esta combinação perfeita entre saber traduzir uma forma de viver e saber escolher as palavras de cada dia.
A nós, ensinaram-nos tudo o que vem neste poema. A apanhar as lágrimas caídas e a varrer a tristeza de casa. Tantas vezes quantas forem necessárias.