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Delito de Opinião

Liberdade, este bem tão frágil

Pedro Correia, 27.03.16

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E em três dias leio um livro de 334 páginas. Um livro que me agarrou desde o primeiro parágrafo e me fez largar tudo quanto lia antes. Ainda por cima um livro que já tinha lido há muito - na década de 80. Regresso aos tempos da adolescência, em que lia compulsivamente, horas a fio. Voltou a suceder-me neste fim de semana alargado, entre a chuva triste e resignada de Sexta-Feira Santa e o esplendor soalheiro da manhã pascal. Com Uma Noite em Lisboa, de Remarque. Um grande escritor é aquele que supera a prova da sua época, seduzindo leitores nascidos já depois das páginas que escreveu. É o caso.

Este romance reedita de algum modo as tragédias gregas - com unidade de espaço, de tempo e de tema. É um romance em que nada "acontece": há só dois interlocutores sentados em torno de uma mesa e tudo se vai desenrolando a partir do fio da memória de um deles em plena II Guerra Mundial. Um romance todo ambientado em Lisboa, embora a nossa capital surja apenas em breves pinceladas descritivas. Mas voltei a senti-lo como um romance português. Devia figurar, por cá, nas aulas de leitura. E nos cursos de escrita criativa.

Eis o parágrafo inicial, que voltou a prender-me como da primeira vez:

«Demorei-me a olhar fixamente para o navio. Profusamente iluminado, o barco aguardava fundeado no Tejo. Embora estivesse em Lisboa há já uma semana, ainda não me habituara à sua iluminação exuberante. Nos países por onde anteriormente passara, à noite as cidades jaziam escuras como minas de carvão e uma lanterna nas trevas era mais temível do que a peste na Idade Média. Eu vinha da Europa do século XX.»

Um romance sobre o maior pesadelo desde sempre ocorrido neste Velho Continente em que Lisboa funciona como porto de chegada ou porta de saída. Um romance sobre noites de chumbo que imaginámos sepultadas para sempre mas que podem regressar, como os fantasmas das histórias de assombração. A liberdade é um bem frágil, volátil e caprichoso: devemos cuidar dela todos os dias. Começando por ler sobre os tempos em que ela mais não era do que um sonho longínquo e feliz.

2 comentários

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    Pedro Correia 27.03.2016

    Sem dúvida, António: notável a vários títulos. Desejo-lhe uma feliz Páscoa, símbolo perpétuo de renovação.
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