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Delito de Opinião

Li isto e lembrei-me da algibeira do Sr Mário Nogueira

Paulo Sousa, 10.12.21

18 de Janeiro – Feriado do sector vidreiro da Marinha Grande. Data comemorativa da Grande Data comemorativa da Revolta de 1934.

O dia 18 de Janeiro de 1977 calhou ao Domingo. Foi um 18 de difícil de esquecer. Dias antes, soubera-se na vila vidreira que ia haver romagem ao cemitério, de gente de fora da Marinha. Não era caso para se estranhar, na medida em que todos os anos, após o 25 de Abril de 1974, o Sindicato Vidreiro comemorava este dia, sendo o ponto alto das comemorações a romagem ao cemitério em homenagem dos já desaparecidos com a colocação da uma coroa de flores na campa do mais recente Sobrevivente falecido. O que se estranhava era a “Organização” que estava por detrás deste acontecimento. Temia-se que a população acudisse ao apelo de um qualquer grupo de “esquerdalhos”, por isso os Sobreviventes puseram-se a pau. Não estavam dispostos a admitir provocações.

Logo que se soube o Bernardino Brás, o Manuel Baridó e outros, não mais sossegaram. Eles tinham aprendido muito cedo a identificar o “inimigo”, não gramavam gente “pseudo-revolucionária”, que só queria deitar abaixo, sem se importar com tudo o que eles haviam sonhado e ajudado a construir. Eram operários marinhenses dos antigos, do tempo da clandestinidade, que não estavam dispostos a que enxovalhassem antigos companheiros de luta. No cemitério não entrariam!

- Vão lá p’ra terra deles! – Dizia um dos Sobreviventes.

- Eles, sabem lá o que é ser vidreiro?! Eu já tenho muitas gerações de cotim!

Muito antes das onze da manhã, o pessoal foi-se aproximando do cemitério velho. Havia, um pouco mais afastado, um pequeno grupo de vidreiros reformados, desconfiados. Mais além, alguns Sobreviventes tudo inspecionavam, até que, de repente, as pessoas ali presentes movimentaram-se. Olhavam para cima, para a Avenida. Lá vinham eles, todos juntos a desfilar rua abaixo, com um grande cartaz.

- Mas onde diabo foram buscar esta canalha? – comentava-se.

Os vidreiros, com os Sobreviventes à frente, fizeram um cordão cerrado em frente dos portões do cemitério. Aqui, ninguém passa! Eis que, inevitavelmente, a confusão se instala. Houve palavras alteradas, alguns encontrões, mas pouco depois assistiu-se a uma debandada geral e tudo voltou à normalidade. O “grupelho” desagregou-se imediatamente e os seus elementos desapareceram em poucos minutos pelas saídas transversais da entrada do cemitério.

Alcunhas marinhenses, de Deolinda Bonita
Edição da autora - 2003

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