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Delito de Opinião

Ler (28)

Nos 70 anos de uma das revistas da minha vida

Pedro Correia, 19.11.23

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Há uma grande revista informativa europeia que acompanho há décadas. Li-a durante a adolescência, nos anos decisivos da minha formação intelectual. Naquele Portugal pós-revolucionário, tinha uma característica ímpar: era de pendor liberal e não se envergonhava de o proclamar: pelo contrário, fazia-o com manifesto desassombro, com vocação para romper tabus. Por penas tão prestigiadas como as de Raymond Aron e Jean-François Revel, pensadores de excelência. Quando a moda eram os socialismos de todos os matizes que prestavam culto a Marx e epígonos menores. 

L' Express surgiu, contra a corrente, num dos países mais jacobinos e centralistas da Europa Ocidental, que então encaravam o liberalismo como vírus maléfico importado do lado de lá do Atlântico, capaz de ferir o majestático Estado gaulês. Quando a França via crescer o Partido Comunista - que chegou a ser o segundo mais poderoso do continente a oeste da Cortina de Ferro - enquanto procurava salvar os últimos redutos do seu império colonial, na Indochina e na Argélia. Tinha os seus pensadores de referência - com destaque para Albert Camus, que também quebrara tabus, naquele início da década de 50, ao lançar O Homem Revoltado com a célebre frase de abertura: «O que é um rebelde? Um homem que diz não.»

Fundada em Maio de 1953, adoptou pouco depois o formato da Time norte-americana, marcando assim também uma diferença face ao clássico padrão da imprensa europeia em matéria de estilo. Assim a conheci naqueles anos ávidos em que se rasgam todas as janelas sobre o mundo, quando em minha casa a recebiamos por assinatura, tal como à Newsweek. Serviu não apenas para consolidar os meus conhecimentos da língua francesa mas também para a minha formação no domínio das ideias. Ler Aron e Revel naqueles anos bastava para alargar horizontes.

 

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1954: Servan-Schreiber e François Giroud com François Mauriac, Nobel da Literatura

 

Quando falo dos meus heróis do jornalismo, jamais esquecerei a dupla que durante cerca de três décadas vertebrou L'Express: Jean Jacques Servan-Schreiber (JJSS) e Françoise Giroud. Criaram uma revista arrojada, moderna, interveniente e livre. Que fazia da reportagem um dos seus pilares e da qualidade de escrita um lema. Que foi pioneira na infografia e cultivava o cartoon político com a mestria do traço de Sempré e Tim. Uma publicação assumidamente europeísta, anticolonialista e antitotalitária onde escreveram várias das penas mais prestigiadas de França e que jamais deixou de questionar o poder - incluindo o poder do general De Gaulle, herói nacional que resgatara a honra manchada do país nos dias de fogo e cinzas da II Guerra Mundial. 

L'Express manteve-se como marco de referência na imprensa europeia. Enfrentou com sucesso todas as crises - políticas, geracionais, económicas, tecnológicas. Sobreviveu a cisões - que deram origem às rivais Le Nouvel Observateur (fractura pela esquerda) e Le Point (fractura pela direita)- e à partida dos fundadores, sabendo renovar-se. Continua a ser um produto de excelência, fiel ao lema de JJSS: «Devemos dizer a verdade tal como a vemos.» Ou na versão mais requintada de Camus: «O gosto pela verdade não impede tomar partido.»

Durante uns tempos, por motivos diversos, distanciei-me dela. Mas reencontro-a agora, como quem recupera um amor antigo, nesta magnífica edição especial destinada a celebrar o 70.º aniversário. Guardo-a desde já como objecto de colecção: serei sempre grato a tudo quanto L' Express me ensinou.

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