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Diferentes capas, diferentes títulos, o mesmo livro
O que levará um romance estrangeiro há décadas no mercado português com um título já consagrado a regressar não apenas com nova tradução mas também com novo título, como se fossem livros diferentes?
Pode tratar-se do radical abandono da metáfora, entretanto tornada expressão idiomática, a favor da tradução literal agora tão em voga - como aconteceu com O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, popularizado sob esta designação na década de 70, quando foi um sucesso de vendas da editora Perspectivas e Realidades (com uma capa muito expressiva desenhada por Augusto Cid), e reaparecendo já este século, na Antígona, como anódina Quinta dos Animais.
Pode dever-se ao trabalho sobre um manuscrito diferente, como sucedeu com o clássico O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler (um dos melhores romances universais do século XX), que adoptou tal nome por decalque da versão francesa, ainda nos anos 40, e o manteve em 1979, sob a chancela Europa-América, reaparecendo em 2022 com título bem diverso - Eclipse do Sol - na editora Livros do Brasil, a partir do original alemão, que durante décadas andou desaparecido, em vez da livre tradução inglesa elaborada pelo próprio autor.
Entendo isto. Custa-me muito mais entender por que motivo O Templo da Aurora, de Yukio Mishima, regressa cerca de 40 anos após a versão original em português, agora intitulado O Templo da Alvorada, com chancela editorial Livros do Brasil. Aqui há mera troca de sinónimos numa palavra, mas basta para parecerem obras diferentes - e ambas coexistem, pois a anterior, com rótulo da Presença, mantém-se no circuito de livros usados.
Percebo que um tradutor queira imprimir o seu cunho pessoal no material literário que lhe chega às mãos. Percebo menos - excepto por mera estratégia comercial - que a aurora passe a alvorada só porque sim. Transmitindo ao leitor mais distraído a ilusão de tratar-se de algo diferente quando está perante a mesma obra, num eventual exercício de publicidade enganosa.
Será o caso, neste terceiro exemplo. E, se o for, parece mal.