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Delito de Opinião

Leituras

Pedro Correia, 07.06.25

«Os encontros sexuais das alemãs com os invasores a leste [em 1945] não podiam ser mais diferentes daqueles tidos com os invasores a ocidente. Apesar de, a ocidente, os soldados ocupantes também terem cometido violações, a imagem que os aliados ocidentais deixaram de si foi muito mais simpática, senão mesmo atractiva. O mais espantoso é que esta discrepância seja raramente discutida na hora de procurar uma explicação para a grande desconfiança que os alemães de Leste alimentam perante forasteiros.»

Harald Jähner, A Hora dos Lobos (2019), p. 181

Ed. D. Quixote, 2024 (3.ª ed). Tradução de Mónia Filipe

12 comentários

Cristina Torrão 07.06.2025

Interessante ponto de vista, nunca tinha pensado nisso.

Sei que a família do meu sogro teve de fugir a sete pés dos russos. Viviam na Prússia Oriental, um território na costa do Mar Báltico, na Polónia, que, depois da guerra, foi dividido entre este país e a Rússia. Os russos ainda possuem esse enclave em território polaco. O meu sogro foi alistado, com apenas dezoito anos, e enviado para a frente leste, em Janeiro de 1945. O pai dele já combatia há algum tempo. Ficou a mãe sozinha com os restantes seis filhos (o meu sogro era o mais velho). Quando o Exército Vermelho se começou a aproximar, foi o terror. Todos esses alemães se apressaram a deixar as suas casas, muitos morreram no navio "Gustloff", um navio de cruzeiro (não militar) que transportava entre 4.000 a 9.000 refugiados (não se sabe ao certo) e foi torpedeado pelos soviéticos. A mãe e os irmãos do meu sogro estiveram para embarcar nesse navio, mas acabaram por não arranjar lugar, por estar sobrelotado.

Esse terror em relação ao Exército Vermelho não existiu de facto em relação aos aliados ocidentais. No geral, trataram bem a população civil.

O meu sogro passou dois anos em campos de prisioneiros soviéticos, que pouco ficavam a dever aos campos de concentração nazis. Teve sorte em ter sobrevivido e em ser enviado para a Alemanha em 1947. Muitos esperaram dez anos (os que resistiram).
Pedro Correia 07.06.2025

É uma das estimulantes pistas de reflexão que este livro nos propicia. O pavor ao "estrangeiro", enquanto "invasor", permaneceu no inconsciente colectivo da Alemanha ocupada pelo Exército Vermelho - e que, no essencial, equivaleu à defunta DDR. Pode explicar, em parte, algumas das opções políticas actuais.
Lopes 08.06.2025

Conheço alguns russos e ucranianos - trabalho na indústria farmacêutica onde vários deles também trabalham - e, alguns sentem (sobretudo os russos) que o que fizeram aos alemães (e não só) foi merecido por tudo o que a URSS sofreu a partir do início da operação Barbarossa. Depois alguns dizem que nós europeus ocidentais não podemos esperar dos europeus orientais (sobretudo os para lá da antiga Polónia, isto é, da própria Bielorrússia em parte) o mesmo modo de ver, pensar e agir sobre a mesma situação. Fico com a ideia de que aquele senso de horda tão presente ao longo de vários séculos de história e guerras nas grandes planícies euro asiáticas está de algum modo presente no DNA russo e que, juntamente com a busca por vingança levou a uma total selvajaria em inúmeros casos.
Sobre o que descreve, acaba por tocar num assunto de que, estranhamente (ou não) o xor Putin nunca fala e que é a ocupação russa de parte da antiga Prússia onde se inclui até a sua antiga capital (Koenningsberg agora Kaliningrado) - é que se o homem alega que apenas quer reaver o que era russo por direito, por uma questão de coerência poderia começar por devolver esse território à Alemanha. E, mais ainda de como as fronteiras polacas de certo modo subtraíram parte do que era a Alemanha - a Polónia de hoje está claramente mais a ocidente do que a Polónia histórica que ocupava parte da atual Bielorrússia ou até da Ucrânia, por exemplo. No fundo mais do que a Rússia se há quem se possa queixar da expropriação de territórios é a Alemanha. Obviamente que, como perdedora da guerra pagou o preço por isso onde se inclui esta expropriação mas, é muito perigoso andarmos no séc XXI a justificar ocupações e invasões de estados suberanos com este tipo de justificações sobretudo com o avanço dos nacionalismos e o rearmamento em curso onde a própria Alemanha se prepara (alegadamente) para ter pelo menos, o exército convencional mais poderoso do continente. É preciso ter muita atenção a esta situação e, mais do que tudo derrotar o déspota russo e esta cartilha de quem quer reaver impérios.

ZEBRA 07.06.2025

O livro interessou-me porque nele, logo no início, o autor se coloca questões que sempre me inquietaram: "Como pode um povo, em cujo nome se mataram muitos milhões de pessoas, falar sobre moralidade e cultura? Seria melhor que, por uma questão de decência, se abstivessem de falar de decência como um todo?"

Claro que não se encontram as respostas na obra, apenas as perguntas.
Ficamos a saber que também se pode rir no inferno, mas isso já sabíamos, os sobreviventes do Holocausto já nos tinham contado. E também ficamos a saber que, se há quem negue o Holocausto, a ninguém passa pela cabeça negar os padecimentos do povo alemão. E muitas, muitas coisas sobre culpa e responsabilidade, e ainda mais sobre os seus contrários.
Gostei do livro, até muito, porque além de bem escrito descreve os factos com objectividade sem perder um toque de compaixão. Mas nunca consegui libertar-me de uma vaga sensação de justificação, de branqueamento. Viés meu, talvez. Ou talvez não possa mesmo ser de outra maneira.
Pedro Correia 07.06.2025

O livro fala-nos da guerra e do pós-guerra na óptica dos derrotados, facto raro pois, como sabemos, a História costuma ser escrita sob o prisma dos triunfadores. É, portanto, uma visita ao lado de lá. O lado daqueles que alimentaram sonhos de glória e acabaram envoltos em ruinas. Começaram a ocupar, terminaram ocupados durante décadas. Começaram a destruir, acabaram em grande parte destruídos - disso já nos falava a chamada "literatura dos escombros", de Boll e Grass.

Mas este livro fala-nos também da reconstrução. E de como os graves erros cometidos pelas potências aliadas após a I Guerra Mundial foram cuidadosamente evitados após 1945.
Caso para dizer que aprenderam com as lições da História.
É uma página admirável do século XX, a da reconstrução da Alemanha e do Japão naquela década 1945-1955. Também com muitas lições para os dias de hoje.
ZEBRA 08.06.2025

Bons tempos, em que os americanos ainda tinham uma mundividência - sempre a puxar a brasa para a sardinha deles, mas uma mundividência clara. Se fosse hoje, em vez de plano Marshall a Europa estava crivada de Trump Towers e Rivieras da treta.

Gostei da resposta do Merz ao MAGA Patológico, quando babou aquela do Dia D ter sido um dia mau para os alemães: que não, porque se tinham livrado do nazismo, respondeu. Mas não se livrou de ter que puxar um bocado de lustro às botas do cretino: "Sabemos bem quanto vos devemos". Lá tem que ser. O que vale é que em matéria de graxa é fácil de contentar.

O tempo. 08.06.2025

"Apesar de, a ocidente, os soldados ocupantes também terem cometido violações, a imagem que os aliados ocidentais deixaram de si foi muito mais simpática, senão mesmo atractiva. "

Vivemos numa sociedade que se habituou a justificar o injustificável, a suavizar o que devia ser condenado e a condenar apenas aquilo que não nos serve. Esta tendência revela-se de forma gritante na forma como distinguimos, de maneira hipócrita, entre o “mal bom” e o “mal mau”.

Criámos, coletivamente, uma espécie de moral elástica, onde o mal praticado “por boas razões” — ou por aqueles com quem simpatizamos — é tolerado, desculpado ou até aplaudido. Quando o nosso lado mente, manipula, explora ou até agride, há sempre um contexto, uma explicação, um “mas”. Já quando o outro lado comete as mesmas ações, o juízo é imediato e absoluto. Chamamos-lhe mal, ponto final. Afinal, o que é isto senão hipocrisia?

Esta divisão artificial entre males “aceitáveis” e males “inaceitáveis” revela a nossa dificuldade em olhar o mundo — e a nós próprios — com verdadeira honestidade moral. É mais fácil culpar o inimigo, apontar o dedo ao outro, do que assumir que o mal, quando praticado por nós ou pelos nossos, continua a ser mal. Roubo é roubo. Violência é violência. Mentira é mentira. O mal não muda de essência consoante a cor da bandeira, o partido político, a religião ou a amizade.

Esta hipocrisia serve apenas para perpetuar o ciclo do erro e da injustiça. Enquanto continuarmos a aplicar dois pesos e duas medidas, nunca nos libertaremos do próprio mal que dizemos combater. Pior: tornamo-nos cúmplices, ainda que com a consciência tranquilizada por uma desculpa conveniente.

O mal é mal. Não tem gradações que o tornem bom. O “mal bom” é apenas uma mentira confortável que usamos para dormir melhor à noite. Mas a verdade, por mais desconfortável que seja, é simples: ou condenamos o mal em todas as suas formas, ou somos parte dele.
ZEBRA 08.06.2025

Será como diz. Mas já reparou que se podem quebrar todos os Dez Mandamentos, desde que tal não se faça em nome de um (ou vários) dos Sete Pecados Mortais? Eu, em caso de dúvida, aplico essa regra nos meus julgamentos ad-hoc. Sobretudo nos que faço a mim própria.

Resumindo: efeitos iguais não têm necessariamente causas iguais - ou também acabamos a lapidar até à morte a mulher violada porque foi adúltera?

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