Livros de cabeceira (17) - série II
Mudavam-se os canais televisivos e as frases repetiam-se tonitruantes: “As eleições mais importantes da história moderna”; “A decisão que vai moldar o país de forma que pode ser irreversível”; and so on, and so on. E a expressão inglesa (com sotaque do Kansas ou de um bairro negro de Atlanta) uso-a porque as declarações ouvi-as vezes e vezes sem conta durante os 15 dias que passei nos EUA como enviado especial da TVI/CNN Portugal para cobrir – volto ao zapping – “the most important election of our lifetime”.
Regressado dos States com mais perguntas do que respostas rapidamente percebi que necessitava e necessito daquilo que podemos chamar de antídoto para o fim da história repetidamente declarado nos círculos vários de fazedores de opinião e observadores do presente. E a vacina para leituras precipitadas temo-la quase sempre na leitura da História. Razão que me leva a reler “O Futuro da América” de Simon Schama. Historiador britânico e professor na universidade de Columbia, em Nova Iorque, radicado nos Estados Unidos há cerca de 30 anos, Schama é um conhecedor do passado da América e dele admirador, diga-se.
O livro em causa foi publicado em 2010 e daí ter o subtítulo: “A História dos EUA dos Fundadores até Barack Obama”.
Sendo certo que muito se passou nos últimos 14 anos, e que a figura de Donald Trump não surge na obra, menos ainda a sua eleição e reeleição como 45º e 47º presidente dos Estados Unidos da América, Schama dá-nos pistas para melhor avaliarmos o que está em causa e porque é que a maioria dos americanos fez a escolha que fez a 5 de Novembro. As conclusões são desanimadoras.
Schama enaltece o optimismo americano como pilar da construção de uma história com pouco mais do que 250 anos. Um optimismo que contrasta com o reaccionarismo que detectamos em muitos dos votos trumpistas. O “Make America Great Again” não é optimista. É sobretudo reaccionário. Trata-se de um sentimento movido pela crença de que os valores da América estão em risco. São perseguidos. Dentro e fora de portas.
E a mesma sensação de perda temo-la ao apercebermo-nos que a multiplicidade étnica e cultural, que fez e faz a América, é hoje tida como agressora da dita América Grande, essa grande potência que só poderá sê-lo verdadeiramente quando for concretizada a incessantemente prometida “maior deportação da História” que começará, garante Trump, “no primeiro dia em que voltar à Sala Oval”.
O pessimismo reforçamo-lo no ponto da religião. E à semelhança da multiplicidade étcnica e cultural, também representada por Barack Obama. O presidente que chegou à Casa Branca assumindo o seu cristianismo, religião que foi o escudo, o tónus, a força da minoria negra na luta pelos direitos civis, e que hoje está minada por um cristianismo branco conservador ao jeito de cruzada. Uma cruzada por um mundo branco, cristão e patriarcal e cujo um dos seus principais embaixadores dá pelo nome de Peter Hegseth, a escolha de Trump para Secretário da Defesa, ou seja líder da maior máquina de guerra à face da Terra. Um futuro chefe do Pentágono, que num livro publicado em 2020, intitulado American Crusade: Our Fight to Stay Free, afirma que os EUA enfrentam actualmente "diferenças irreconciliáveis entre a Esquerda e a Direita, que estão a direccionar a América para um conflito perpétuo e que não podem ser resolvidas através do processo político." Cito do jornal Público.
A História escreve-se todos os dias e tem capítulos mais marcantes que outros. O próximo, no que à América e, claro, ao Mundo diz respeito está marcado para 20 de Janeiro próximo. Dia da tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. A minha esperança primeira é que Simon Schama reflicta sobre isso e nos conte a História.
Dos factos para a ficção é na obra-prima de Jonathan Frazen, Correcções, que mergulho de novo na América. No centro da acção estão os Lambert, família anfitriã de uns Estados Unidos desunidos por conflitos religiosos, geracionais e de costumes. Actores e representantes de uma sociedade atingida pela instabilidade do mercado financeiro, entorpecida pelos anti-depressivos e suas promessas ilimitadas de bem-estar se fim. Tudo num mundo onde a moral religiosa da velha geração se exalta e enfraquece em confronto com a ausência de escrúpulos da juventude americana. Dialéctica que é a força motriz da obra feita de pessoas que buscam corrigir os trajectos de vida que tiveram e os rumos que seguiram. E apesar do aparente peso que aqui ponho nas palavras este é um romance divertido, grande representante do género tragicómico. Dois requisitos que fazem desta uma obra literária inteligente e marcante.
Duas características que me dizem ter a “A Família Netanyahu” de Joshua Cohen. Livro que está já na minha mesa de cabeceira. Trata dos judeus na América. Tendo como mola um episódio real que tem como protagonista o pai do actual primeiro-ministro de Israel. Um professor de História que é (parece) mais que tudo um teólogo. Especialista no judaísmo, com particular “conhecimento” do judaísmo na Península Ibérica, no tempo da Inquisição. Um narrativa interessada em explorar os meandros que ligam e separam Religião e História a partir de uma perspectiva judaica que, ao que me dizem, ajuda-nos também a perceber quem é Bibi, antigo aluno nos Estados Unidos. A América. Sempre a América.