Legislativas (4)
DEBATE CATARINA MARTINS-PAULO PORTAS
Desta vez houve mesmo debate e não apenas um simulacro, como aconteceu há uma semana. Ana Lourenço, a jornalista que arbitrou o frente-a-frente desta noite na SIC Notícias, teve a intuição de perceber que haveria vantagem em deixar falar os antagonistas sem pretender impor-lhes um cardápio de questões. Fez bem. Porque o telespectadores ganharam ao ver Catarina Martins e Paulo Portas em diálogos que pediam pouca moderação.
Pela segunda vez consecutiva, a porta-voz do Bloco de Esquerda mostrou-se em boa forma. Surgiu perante as câmaras com ar menos crispado do que costuma revelar no Parlamento, soube escutar, demonstrou capacidade de argumentação e destreza verbal, sem se deixar atemorizar pela arguta raposa da política que tinha à sua frente.
O presidente do CDS, em representação da coligação governamental que procura renovar o mandato a 4 de Outubro, estava constipado e mal ocultava algum cansaço. Mesmo assim conseguiu conduzir o debate para o terreno que lhe interessava, puxando-o logo de início para o caso grego - numa antecipação daquilo que Passos Coelho não deixará de fazer no frente-a-frente de amanhã com António Costa.
"Até há um mês o Bloco de Esquerda tinha um modelo: chamava-se Grécia, Tsipras e Syriza. Reestruturação da dívida grega: onde é que ela está? O Syriza dizia que nunca mais pediria um resgate: acabou de pedir um terceiro. Dizia que a austeridade ia acabar: aceitou a austeridade em dobro. Dizia que a Europa ia mudar: quem mudou foi Tsipras", declarou Portas, com ar vagamente enfastiado.
O assunto incomoda os bloquistas. Mas Catarina, por sua vez, soube pôr Portas em sentido ao salientar que "o programa da coligação não apresenta um único número" aos portugueses enquanto o Governo se compromete em Bruxelas a cortar 600 milhões de euros na segurança social.
"Não aceitamos ser um protectorado da Alemanha", esclareceu a porta-voz do BE, piscando o olho aos eleitores mais moderados ao mencionar Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite entre os portugueses que já advogaram uma reestruturação da dívida portuguesa. Algo impensável há quatro anos.
A verdade é que nem o Bloco tem a pretensão de pescar votos junto dos habituais eleitores do CDS nem os democratas-cristão aspiram a seduzir votantes situados à esquerda do PS, o que explica em boa parte o tom cordato deste debate, que não deixou de ter acutilância e algum fogo cruzado digno de registo. Com Catarina a apontar o dedo acusador: "Este é o governo recordista dos ajustes directos." E Portas a replicar: "O Bloco de Esquerda nunca governou nenhuma entidade em Portugal excepto a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, que em 2009 fez um ajuste directo para os transportes urbanos, entregando-os à [empresa privada] Barraqueiro."
Cada qual, à sua maneira, comprovou que o traquejo parlamentar é muito útil nestas ocasiões. Mas, no confronto das expectativas com a prestação concreta, a líder bloquista destacou-se ligeiramente.
Como aperitivo não esteve mal. O prato forte será servido amanhã à noite, com outros protagonistas, nos três canais em sinal aberto.
........................................ FRASES Catarina - «Não é possível governar quase sistematicamente contra a Constituição. O actual Governo não foi capaz de fazer um único orçamento dentro da Constituição: essa é a maior instabilidade que o País pode ter em termos políticos.» Portas - «A política não é a arte do impossível. A senhora tem um discurso de utopias coladas umas às outras, sem adesão à realidade.» Catarina - «Não há estado social sem solidariedade entre as gerações.» Portas - «Não há estado social com o Estado falido.» Catarina - «O doutor Paulo Portas é um belíssimo ilusionista da política.» Portas - «Não trate os outros por ilusionistas. Ilusionismo foi o que aconteceu na Grécia.»