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Delito de Opinião

Laura Antonelli

Sérgio de Almeida Correia, 22.06.15

laura antonelli.jpg(28/11/1941 - 22/06/2015)

Confesso que já não me recordo qual terá sido o primeiro filme que vi dela. Sei que vi muitos. Alguns mais do que uma vez, apenas pelo prazer de vê-la, de ouvir a sua voz, de ver o seu sorriso, de admirar a sua beleza. Durante décadas o cinema italiano fez sonhar os adolescentes e os homens de todo o mundo. Pelas mais diversas razões. Mas havia uma verdadeiramente incontornável: a mulher que ele nos dava era o modelo. A mulher. Da Cardinale à Lollobrigida, da Loren à Muti, da Belli à Mangano, sem esquecer a Vitti e a Sandrelli, qualquer uma delas quando aparecia era mais fabulosa do que a outra. Cada filme que surgia era um pretexto para a discussão. Qual a mais bela, qual a mais desejada, qual aquela com que qualquer um de nós viveria a vida inteira numa ilha deserta do Pacífico Sul ou nas andanças do trânsito de Roma. Entre todas havia uma que, não tendo nascido em Itália, mas em Pula, na Croácia, fazia sempre a unanimidade. Fosse pelo olhar, ao mesmo tempo doce, voluptuoso e, de certo modo, perdido no tempo, pelo torneado do seu corpo ou pelo calor da sua voz. Os filmes que víamos nem sempre eram aplaudidos, muitas vezes não passando de comédias palavrosas e barulhentas. Só que todos eles tinham alguma coisa em comum. Ela estava em todo o lado. Nos cartazes dos filmes, nas revistas que chegavam de França ou de Itália, ao lado de Belmondo ou de outro figurão qualquer, na capa da Playboy, nas imagens de Cannes e de Veneza. O filme que talvez a tenha tornado mais conhecida é de um realizador, Salvatore Samperi, que só pelo nome poucos portugueses conhecerão. Malizia (1973) terá sido o filme do deslumbramento, mas antes, durante a década de Sessenta, já tinha dado nas vistas em mais de uma dúzia de filmes. Depois, durante os anos Setenta e Oitenta seria protagonista de mais umas dezenas de filmes e mini-séries de televisão, realizados, entre outros, por homens como Chabrol, Risi, Comencini, Bolognini, Salerno e Visconti (L'innocente, 1976). O seu último filme data de 1991(Malizia 2000). Durante alguns anos enfrentou acusações relacionadas com o tráfico de droga, de que viria a ser ilibada já neste século, e de consumo de estupefaciantes. Depois de ter sido o rosto da beleza e do erotismo do cinema italiano, refugiou-se num pequeno apartamento de uma estância balnear, Ladispoli, situada a pouco mais de três dezenas de quilómetros do centro de Roma. Encontrada por uma empregada doméstica, morreu só, como terá vivido durante muitos anos, sem que se saiba exactamente há quantos dias teria falecido. Sem resposta ficará, uma vez mais, a pergunta de se saber até que ponto a beleza, o sucesso, a fama, o esplendor, as luzes da ribalta, contribuem para vidas infelizes, solitárias, e finais tristes. Para o caso também já não fará qualquer diferença. E para quem um dia se deslumbrou com a Antonelli, ficará sempre a imagem de uma diva tão terrena quanto inacessível. Não era uma mulher como as outras. Nunca foi uma actriz como as outras. Havia qualquer coisa que a tornava diferente das outras, mais real, e não era só a sua elegância ou o seu erotismo. Num cartaz do Condes, na Almirante Reis, quando a vislumbrava do eléctrico a puxar as meias, na fachada do velho Cinema Roma ou na do Monumental, Laura Antonelli foi a imagem mais real do sonho. Da carne em ecrã gigante e sem efeitos especiais. A imagem, digo bem, porque o sonho, esse, permanecerá para sempre. Como sempre foi. E renovar-se-á, eventualmente com outro nome, sob uma outra luz. De geração em geração.

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