Lápis L-Azuli
Hoje lemos: Giovannino Guareschi, "D. Camilo e o Seu Pequeno Mundo".
Passagem a L' Azular: "Não te preocupes, Don Camilo", sussurrou Cristo. "Eu sei que ver homens que deixam a graça de Deus decair é um pecado mortal para ti, porque sabes que correram desenfreadamente para apanhar uma côdea de pão. Precisas perdoar-lhes porque sei que não o fizeram para ofender a Deus. Eles procuram desesperadamente a justiça na terra porque já não têm fé na justiça divina, e procuram desesperadamente os bens da terra porque já não têm fé na recompensa divina. E assim acreditam apenas no que tocam e vêem, e as máquinas voadoras são para eles anjos infernais deste inferno terrestre que tentam em vão transformar num Paraíso. É o excesso de cultura que leva à ignorância, porque se a cultura não for apoiada pela fé, chega a um certo ponto em que o homem só vê a matemática das coisas. E a harmonia dessa matemática torna-se o seu Deus, e ele esquece-se que foi Deus que criou essa matemática e essa harmonia. Mas o teu Deus não é feito de números, Dom Camilo, e no céu do teu Paraíso voam os anjos do bem. O progresso torna o mundo cada vez mais pequeno para os homens: um dia, quando as máquinas funcionarem a cem milhas por minuto, o mundo parecerá microscópico aos homens, e então os homens ver-se-ão como um pardal no cimo de um mastro muito alto e olharão para o infinito, e no infinito encontrarão Deus e a fé na verdadeira vida. E odiarão as máquinas que reduziram o mundo a um punhado de números e destruí-las-ão com as suas próprias mãos. Mas ainda vai demorar, Don Camilo. Por isso, fica descansado: a tua bicicleta e a tua scooter não correm perigo neste momento.”
No rescaldo do maior conflito da história da humanidade, Guareschi põe o pensamento e os temores de quem viveu a impensável destruição, traduzidos nas palavras proferidas pelo Cristo crucificado com quem D. Camilo alterca sempre que a consciência o atormenta (mesmo sem se dar conta de tal), nas suas travas de razões com Peppone, um homem puro, mas pouco temente a Deus, pelo menos em fachada.
Esta luta "entre o bem e o mal", escrita há mais de 75 anos, é fantasticamente actual e premonitória do nosso tempo, tempo este em que até os saca-rolhas, as escovas e os palitos para os dentes são mecanizados. Há uma maquineta para tudo. Até para lavar o cérebro.