Lalalândia (1)
- Ó sôtôr, tenho aqui umas palpitações e umas dores...
- Ó amigo, isso é da obesidade, não se vê logo?
- Eu? Mas eu só como um bolo ou outro de vez em quando. Só como aquilo que preciso. Sempre no McDonald's...
- McDonald's? Isso não faz mal a ninguém. Mas precisa de perder gordura. Olhe, tome lá este saco de 50 quilos, estes comprimidos e deixe de trabalhar e comece mas é a comer mais Happy Meals. Vai ver que lhe passa.
...
- Ó sôtôr, eu ando cheio de fome, mas as palpitações pioraram e agora, sempre que tomos os comprimidos, fico cheio de dores de estômago.
- Isso não importa. Reforce a dose que é o que importa. Estou a ver-lhe ainda muito pneu. Aumente a carga para 60 quilos. Durma menos. Largue os sapatos que aumentam o conforto e não o deixam perder peso. E já agora não vá aquele curso que estava a seguir que só se senta e isso faz-lhe mal.
...
- Outra vez aqui homem? Então que se passa? Ainda não perdeu nada de especial de peso.
- Ó sôtôr, estou cada vez pior. Sinto-me mal, tenho febre, ando cheio de dores e sempre tão irritadiço que até o meu filho já se foi embora. E era ele que me ia trazendo uns trocados para casa agora que o sôtôr me mandou parar de trabalhar. Tem a certeza que isto é preciso?
- Nem tenha dúvida. É uma receita que foi encomendada pelos médicos do Hospital de Frankfurt, pelo Instituto de Medicina Familiar de Berlim e pela Universidade Médica de Bruxelas. Basta ver que os professores de Atenas não concordam para ver que é bom.
- Mas isto faz-me sentir mal.
- Não se preocupe homem. Olhe, para a febre o melhor é andar sem roupas pela rua e tomar banhos gelados. Vai ver que o frio lhe baixa a temperatura. Já agora aumente a carga para 75 quilos. Mal não fará. E comece a cavar o quintal de minha casa. Só lhe faz bem e até me faz um favor.
- Ainda isso? Depois de aumentar o preço da consulta?
- É para seu bem, acredite no que lhe digo...
...
- Ó sôtôr, sinto-me pessimamente. Não posso com dores de cabeça, o estômago dói-me tanto que estou a cuspir sangue, deve ser úlcera, a minha mulher deixou-me, os dentes estão a apodrecer-me, já não arranjo emprego de jeito, só mesmo a cavar valas, coisa sem jeito nenhum e mal paga, não tenho forças e nem sequer consigo aproveitar nada da vida.
- Mas olhe que se começa a ver a falta de gordura. Já perdeu alguma coisa. Isto ainda não acabou amigo, vai ver que vale a pena. Aguente que ao fim de uns 10 ou 20 anos vai ver como se sente perfeito, sem gordurinha nenhuma.
- Mas e os gregos? Tinham lá umas coisinhas medicinais...
- Fantasias meu caro, não se deixe levar. Aumente a dose dos comprimidos e tome ainda estes. Não são comparticipados mas ajudam mais.
- São para as dores?
- Qual dores, vão aumentá-las, mas isso só o vai ajudar a perder peso mais depressa. E cave tantas valas quanto possível. Não tire férias.
...
- Boa tarde senhor doutor.
- Sim? Em que posso ajudar?
- Sou filho daquele senhor que o doutor andou a tratar do excesso de peso.
- E então, como vão as coisas?
- Malzinho doutor, malzinho. O meu pai morreu...
- Morreu? Mas como?
- De malnutrição. De dores. De úlcera. Enfim, da cura.
- E qual era o peso?
- XX quilos.
- Está a ver como até perdeu peso? Se quer que lhe diga, o mal foi não ter levado a cura longe o suficiente.