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Delito de Opinião

Jornalismo em estado grave

Pedro Correia, 27.07.18

Acabo de ler a seguinte "notícia" difundida em linha (omito o nome da pessoa visada):

«A apresentadora da RTP, Fulana de Tal, estará grávida do primeiro filho. A informação foi avançada por uma fonte ao Notícias Ao Minuto. 

Ao que tudo indica, Fulana de Tal está prestes a completar a 12.º semana de gestação, revelou a mesma fonte. 

O Notícias Ao Minuto tentou confirmar esta informação junto da agente da apresentadora da televisão pública, mas até ao momento sem sucesso.»

 

Breves anotações:

- "Estará grávida" - ou seja, o boato assumido enquanto tal - já é elevado, por estes dias, à categoria de "notícia";

- No mesmo parágrafo confunde-se deliberadamente especulação ("estará") com "informação". Como se os dois conceitos não fossem antagónicos;

- Do condicional do parágrafo de abertura ("estará") salta-se para a quase certeza no segundo parágrafo ("está"), sem que ninguém tenha percebido a contradição, tanto na fase de elaboração como na fase de edição da suposta notícia;

- "Ao que tudo indica" pressupunha, no caso concreto, que a gravidez fosse um facto notório. Algo desmentido logo a seguir quando se especifica que nem completou 12 semanas de gestação (a propósito: semana é do género feminino);

 - Para dar aparência noticiosa ao boato, num truque retórico equivalente ao de qualquer coscuvilheira de lugarejo, agrega-se a expressão "por uma fonte", jamais identificada, em colisão frontal com as normas deontológicas;

- O nome da visada está escrito entre vírgulas, pressupondo que só existe uma apresentadora na televisão pública;

- Depois de servir mercadoria adulterada - isto é, o rumor promovido a notícia - o meio em causa reconhece não ter ultrapassado a fase da mera tentativa na obtenção da verdade. Não falou com a suposta futura mãe, nem com familiares desta, nem sequer com a agente da apresentadora. "Sem sucesso", reconhecem. Mesmo assim, publicam. Na caça ao clique.

 

Conclusão:

Não sei se Fulana de Tal "estará grávida" nem tenho qualquer interesse em saber. Sei, isso sim, que o jornalismo português está doente com gravidade.

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