Jornais, jornalistas e relações fiduciárias
A imprensa e os jornalistas dependem da relação fiduciária que estabelecem com leitores, ouvintes e espectadores. Uma vez quebrado o laço de confiança, não há injecções de capital nem ajudas de Estado que os salvem.
Vem isto a propósito de três episódios ocorridos nas últimas semanas. Primeiro, a SIC emitiu uma peça sobre tumultos em Londres motivados pelo coronavírus. Ora esses motins nunca aconteceram e as imagens que ilustravam a ‘notícia’ eram de um protesto ocorrido em 2011. Depois, vários órgãos de comunicação social publicaram um documento falso que se fazia passar por decreto do governo com as medidas para o estado de emergência. Hoje, parte da imprensa voltou a cair no truque do documento oficial falso, desta feita sobre o alegado cancelamento do projecto do aeroporto no Montijo.
O caso do motim em Londres espelha inépcia grosseira e falta de profissionalismo no seu máximo esplendor. Já a publicação dos documentos falsificados revela pelo menos falta de atenção, uma vez que era fácil suspeitar da sua veracidade – recebi o suposto decreto do estado de emergência através das redes sociais e mal terminei de ler a primeira página já estava a franzir o sobrolho.
Pede-se mais, sobretudo num momento de crise e ansiedade. Todos erramos, evidentemente, mas este tipo de erros não são justificáveis. Convidam-nos a assinar jornais, a ajudar a imprensa, mas não se garante a lisura e o rigor na produção de conteúdos. Suspeito que, a continuar por este caminho, a decadência será inevitável, com elevado prejuízo para a qualidade da democracia e para o direito (e necessidade imperiosa) de estar informado.