Jorge Coelho
Margarida Bentes Penedo disse, no Facebook, da forma de que detém o segredo, o que convinha:
Eu gostava do homem. Em várias ocasiões foi a voz mais sensata e menos socialista da Quadratura do Círculo. Sim, cumpria a sua obrigação litúrgica, dizia uma frase ou duas lá daquela missa do PS; mas despachava essa parte rapidamente, com um sorriso entre o ardiloso e o bonacheirão, e fugia de escorregar no molho sentimentalista de certas conversas. Eu gostava da ligação dele às coisas da terra e da vida: dinheiro, empresas, comércio, mercado, trabalho, comida, pontes que não caem.
E este é outro motivo. Talvez tenha sido a última vez que um governante socialista se demitiu do cargo e saiu por sua iniciativa. Sem responsabilidade directa no acidente de Entre-os-Rios, ele era o ministro da tutela e considerou que não podia continuar perante uma tragédia daquelas dimensões. Um acto de dignidade que o partido dele, aparentemente, não reconhece, não aprecia, não reproduz, se calhar nem lhe perdoou.
Para mim, a notícia da sua morte foi triste. Adeus, Jorge Coelho.
Também gostava, e pelos mesmos motivos. E não podendo abundar no essencial, porque está dito, acrescento no acessório:
Coelho irritava muita gente com o seu português idiossincrático (eicelente, munto), que não podia derivar de ignorância porque o usava por sistema; pela sua manha, que o levava a sair com facilidade de cantos retóricos onde os parceiros o tentavam encostar; pela sua competência na defesa do PS e suas personagens, com frequência pouco recomendáveis, e pela invejável eficácia com que manejava o aparelho daquele partido; pelos recados que entrelinhava num discurso que tinha com frequência a marca da simplicidade camponesa que era a sua; e pelo portuguesismo que nos faz zangar com o nosso país, em suma, mas que é nosso, por muito que a paciência nos falte.
Pessoas sumárias julgarão talvez que a Justiça deriva do juiz, da defesa ou da acusação. Nada disso: para se realizar, precisa dos três. Na democracia, onde o povo desempenha o papel de juiz, é igual, pode perder-se tendo razão; mas não é de razão menosprezar o adversário, e quem desvalorizava Jorge Coelho fazia-o à sua custa.
É fácil, e se calhar natural, detestar as pessoas cujas convicções nos são opostas. Com Jorge Coelho nunca consegui.