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Delito de Opinião

Joana Marques Vidal

jpt, 09.07.24


 

Voltara eu ainda há pouco tempo, ano e tal, de Moçambique. Certo dia fui convidado para jantar em casa de uma amiga, seríamos um pequeno grupo, íntimo, a dona da casa, um enorme amigo meu, colega desde há então trinta anos, meu verdadeiro irmão, e outra grande e antiga amiga deles, e que comigo namorava. Afinal na mesa estava também uma outra conviva, extremosa amiga de infância da anfitriã.

 



A conversa correu, bem-disposta. A palavras tantas alguém disse à tal amiga que "o Zé Flávio viveu vinte anos em Moçambique, voltou há pouco". E ela, agradada, disse que ia com alguma frequência ao país - que muito apreciava -, pois mesmo que isso não lhe fosse o cerne do trabalho tinha algo a ver com a cooperação estatal no sector jurídico. E falou um pouco das questões e da relevância dessa actividade - desde sempre um sector crucial da cooperação portuguesa.

 



Fiquei de imediato estupefacto. Passara eu duas décadas envolvido e/ou atento à cooperação portuguesa - até durante algum tempo tinha tido como obrigação profissional acompanhar a cooperação jurídica. Sobre o assunto, este sector em particular, e a cooperação global, ouvira falar imensa gente, desde os mais elevados governantes até uma vasta série de normais agentes. Nisso escutara muita mediocridade, muita vacuidade, imensa sobranceria. Mas também - e não convém ser maximalista nas críticas - ouvira gente competente e atenta. Escassa mas existente.

 

Mas nunca ouvira alguém, e ainda por cima naquele registo en passant, conversacional, com tamanha perspicácia, tamanha pertinência, tanta acuidade. Lembro-me bem de ter pensado "que é isto?", devo até ter arqueado as sobrancelhas. E perguntei-lhe, de facto abismado com toda aquela competência intelectual, "Desculpe, qual é o seu trabalho?". E foi um coro de risos dos nossos amigos, "Ó Zé!, a Joana é a Procuradora-Geral", ao que eu (sentindo-me mesmo tonto) balbuciei "Desculpe" tendo ela ripostado, então rindo-se também - pois decerto achando piada à minha distracção -, deixando-me um "Desculpa-se de quê, por favor...".



 

Nos anos seguintes (até ao Covid, de facto, esse que tanto cerceou os hábitos convivenciais) tive o privilégio (é a expressão devida, não apenas usual) de a encontrar, através da nossa amiga comum. No convívio risonho, qual familiar, sempre deixando a marca de uma mulher de uma simplicidade gentilíssima, e, até em modo subliminar, pois nesses contextos nada ostensivo, de um enorme intelecto.

 



Uma Senhora. Uma Senhora na República. Uma sentida vénia na sua morte. E um grande beijo para a nossa querida amiga comum, sua amiga de infância.

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